Texto de Patrícia L. Paione Grinfeld*
Sempre que colocamos em pauta qual a melhor escola para nossos filhos, elencamos uma lista de exigências, necessidades e preferências, seja ela uma escola de educação formal ou uma que oferece curso extracurricular. No entanto, entre o discurso e a prática, muitas instituições ficam a desejar porque não conseguem um olhar singular para cada criança que lá está.
A escola tem normas e regras que visam garantir o bom funcionamento do coletivo. Isso é essencial inclusive para as crianças, que aprendem e exercitam a convivência social. Mas, o que é bom para a maioria, pode ser desagradável ou insuportável para a minoria ou mesmo uma só criança, no início de um curso ou no meio dele. Nessas situações, se a escola não é capaz de avaliar e encontrar alternativas para a criança que não se “enquadra” aos padrões escolares, corre-se o risco da criança ser tachada de estranha, mimada, difícil. Em situações extremas, não resta muita alternativa senão buscar uma nova escola.
Observo que situações como estas são bastante frequentes entre as escolas que ministram cursos extraescolares. Especializadas num saber técnico, focam nele e raramente incluem em seu cotidiano canais para conhecer a criança para além do momento da aula, como uma entrevista inicial com os pais para saber um pouquinho sobre cada aluno. Em algumas delas as mudanças (de professor, turma ou data de aula, por exemplo) não são comunicadas às crianças (e mesmo aos pais), como se isto fosse apenas uma questão administrativa e não de relacionamento e respeito ao pequeno aluno. O que está em jogo é a transmissão de um saber especializado.
Nesse modelo de escola não é levado em consideração que para aprender é preciso que a criança seja vista em seu todo e não apenas como aprendiz de uma habilidade. A criança não é um mero ser dentro de uma tabela de conquistas em seu desenvolvimento global. Ela, acima de tudo, carrega uma história, não estática, que não pode ser ignorada. Vejamos duas situações que deixam claro o que exponho aqui.
Uma mãe foi com seu filho de um ano e três meses numa aula de iniciação musical. Quando o filho se interessou pelo instrumento apresentado pela professora (algumas crianças – e adultos – precisam primeiro se familiarizar com o ambiente para depois “se soltar”), esta tirou o instrumento da mão da criança porque o tempo de explorar o instrumento já tinha terminado. Justificou sua atitude dizendo que música exige disciplina. Com um ano e três meses, não permitir que a criança esgote suas explorações diante de um novo objeto é tolher um pré-requisito fundamental da aprendizagem: a capacidade de investigação.
Histórias de filhos de mães gestantes ou com recém-nascido que não se “adaptam” em alguma atividade são inúmeras. Para algumas escolas de natação, por exemplo, é inconcebível que uma mãe acompanhe ao lado da piscina a aula de um filho que já nada “sozinho”. A justificativa é que aquela mãe atrapalha a aula dos demais, mas ninguém diz para as outras crianças que aquela mãe está lá porque está difícil para o fulaninho ficar longe dela. As exceções, às vezes, são vitais e se são compreendidas dificilmente se transformam num problema.
Já vi criança desistir de continuar um esporte porque mudou o professor sem que ninguém avisasse, como se a mudança não afetasse ninguém. Aprender implica na presença de afetos positivos entre o mestre e o aprendiz.
Criança sente, tem preferências, facilidades e dificuldades, pontuais ou mais amplas. Por isso, mesmo que em um momento ela esteja bem adaptada e curtindo a atividade, em outro, pode estar mais resistente em estar naquele ambiente, seja por algum acontecimento em sua vida pessoal, seja por mudanças no espaço de ensino. Quando ao professor (representado pelo estabelecimento) não é dada a oportunidade de conhecer a criança para além de mero aluno (pode-se dizer, de uma técnica), o grau de tolerância às diferenças fica muito reduzido. O que é vendido como lúdico pode se transformar em certa tortura.
Se, nas situações de aulas coletivas, os pais não conseguem perceber e falar sobre quem é seu filho, certamente entram no mesmo discurso institucional de que a criança é difícil, birrenta, manhosa. A atividade torna-se obrigação, sofrimento ou impossibilidade (quando não confundida com incapacidade da criança). Por outro lado, se os pais conseguem perceber e falar sobre o que acontece com seu filho, ou mesmo supor o que está acontecendo (nem sempre é possível afirmar) e a escola abre espaço para o diálogo e aceita a singularidade, a criança pode ser apoiada e amparada em sua dificuldade, podendo superá-la mais facilmente. Quando isso acontece, pode-se dizer que houve o tão esperado “encantamento do cliente”. A fidelização acontece porque não há traição com a verdade da criança.
As escolas de atividades extraescolares estão crescendo cada vez mais e oferecendo uma infinidade de cursos. Mas, de nada adianta espaços bacanas, professores bem formados e técnicas de ponta se não levarem em conta a história de seus clientes mirins. Para encantar e fidelizar crianças é preciso considerar suas particularidades, mesmo onde imperam regras, normas e padrões coletivos. Cada criança é única e isso não pode ser esquecido.
Imagem da web.
Texto anteriormente publicado no blog Ninguém cresce sozinho, gentilmente cedido pela autora.
(*) Patrícia mora em São Paulo, é psicóloga e 2x mãe. Por acreditar que pequenas atitudes podem ser transformadoras, faz seu trabalho de formiguinha na vida e na profissão. É idealizadora do blog Ninguém cresce sozinho e nunca acreditou tanto na importância do trabalho do MILC quando, ao ler “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa” para um grupo de crianças entre 2 e 8 anos, uma menina com 3 disse: “Olha a Barbie”, apontando para a chapeuzinho vermelho da história. www.ninguemcrescesozinho.com
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