Texto especial para o Milc de Mariana Sá e Debora Regina M. Diniz*
Adiantaram a páscoa! As empresas capricharam nos brindes e nos personagens! O varejo caprichou na exposição nos pontos-de-venda! E as crianças, bombardeadas por mensagens abusivas, começaram a escolher e a pedir seu ovo. Muitas já ganharam. Muitas até já comeram o chocolate e estão neste momento fazendo uso do brinde (ou não).
O comércio sabe muito bem o que está fazendo quando enfeita os corredores e expõem os ovos recheados de brindes de certa maneira a estimular o desejo de crianças, jovens e adultos. E num domingos destes, fui ao mercado e lá, no meio do túnel do trem fantasma, uma mãe consolava seu filho que chorava copiosamente: “mas eu queeeeeeero eeeeeeeeesse, mamãe!”.
A mãe pacientemente explicava ao filho que não tinha dinheiro para comprar o ovo dele naquele momento, mas que ia juntar e comprar assim que pudesse. Os dois caminharam rumo ao caixa. Eu vi a tristeza no rosto dela. Eu vi a decepção naquela criança. Eu sei que tem gente que vai me dizer “mas eu quis várias coisas quando eu era criança que meus pais não puderam me dar, e estou vivo até hoje, sem traumas. Cabe à mãe decidir se cede ou não aos apelos do “mini-tirano”: “se não pode, não dá. O menino não vai morrer!”.
Não vai morrer mesmo, eu sei… Talvez nem traumatize… Isso não nos importa. O que nos importa é este “direito” que a indústria tem de dirigir seu discurso medonho diretamente às crianças. O que nos importa é saber que a indústria, junto com suas equipes de pesquisa, marketing e publicidade, conseguem mexer com o emocional das crianças sem que nenhuma autoridade dê conta: não devia ter produto na prateleira de um comércio com apelos de venda para a criança. Não devia! É cruel! É imoral! E engorda!
Contra a comunicação sofisticada destes produtos “super atraentes” é que mães e pais têm de lutar todos os dias para criar seus filhos fora da égide do consumismo, do ter, do ostentar. Quem é mãe ou pai, por mais bem sucedida que seja na hercúlea tarefa de “dizer ‘não’ aos filhos”, sabe o que é procurar um argumento ou uma abordagem que tire da cabeça do filho que ela preciiiiiiiisa aquele objeto.
Eu não sei qual foi o desfecho do caso que testemunhei e não nos importa saber se aquela mãe conseguiu convencer o filho a não querer mais ovo algum porque é um abuso; ou a não querer aquele específico porque é muito caro; ou a aceitar o ovo no dia certo – no domingo de páscoa; como muitos pais clamam conseguir. Mães e pais sempre bem sucedidos na tarefa de conter as vontades e tirar do rosto do filho a marca de decepção que olham feio para os que não conseguiram ou não conseguem e argumentam que as autoridades (o estado) não precisa intervir: “eles que aprendam a educar seus filhos, senta aqui que vou te dar umas dicas”.
Não nos importa saber se este ou aquele mãe/pai, mesmo convencido de que é um abuso, consegue ou não sustentar a sua decisão. Não nos importa saber nem ao menos se este ou aquele mãe/pai considera um abuso a venda de ovo de chocolate com brinde dentro na páscoa. Não é questão de conduta mater/paterna, nem de opinião: é questão de legislação.
E esta legislação existe para proteger as crianças de uma abordagem de marketing que usa técnicas sofisticadas com as quais não têm (não temos muitas vezes) condições e repertório para lidar. Técnicas que “instalam” nas mentes das crianças uma tendência de pedir insistentemente um objeto aos pais. Esta tendência está associada à exposição à mensagens mercadológicas. E é por isso que estas mensagens deveriam ser vedadas às crianças. O nome disso é nag factor.
Saiba se seu filho foi atingido pelo Nag Factor nesta Páscoa:
– Seu filho é daqueles que nem gostam tanto de chocolate, mas insistem em querer um ovo grande por causa do brinde?
– Quando ganham, os ovos de páscoa ficaram na sua geladeira até o São João?
– Este ano, você decidiu não comprar licenciados e explicou os motivos ao seu filho, mas ele continua insistindo?
Se respondeu “sim” para estas perguntas e se percebeu que isso vem incomodando, lamentamos informar: seu filho está sendo assediado!
Este ano, estamos montando “um caso” para a justiça. Ajude-nos contanto sua história. Pode ser nos comentários deste post, pode ser pelo email infancialivredeconsumismo@gmail.com ou pela caixa de mensagem daqui da fan page – protegeremos a sua identidade se assim desejar.
Saiba mais: http://bit.ly/PascoaLivre + http://bit.ly/OvoZuado
Imagem da web.
(*) Debora é mãe de três, cofundadora do Milc, cursou Letras e Semiótica. É doula e educadora perinatal há 10 anos. Atualmente vive no Vale do Paraíba e é uma das coordenadoras da Roda Bebedubem. É ativista e implicante com a sociedade atual desde sempre. Co-fundadora do Milc e membro da Rebrinc
Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.
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