Texto especial para o Milc de Vanessa Anacleto e Mariana Sá*
Quarta-feira de cinzas. A mãe entra na loja de departamentos para comprar pilhas. As crianças vem uma em cada mão. Olhos arregalados:
– Já é Páscoa? – perguntou o maior.
–Só daqui há 40 dias. – disse a mãe enquanto procurava as pilhas AAA.
– E por que já está tudo pendurado?
– Não sei. Acho que eles querem que a gente comece a comprar logo.
Os olhos não desarregalam, mas piscam enquanto fixam o corredor de ovos coloridos.
– Será que eles querem também que a gente tenha dor de barriga, isso tudo vai estragar até chegar a páscoa. Querem que a gente coma o ovo antes da hora?
O menor que ouvia tudo calado também piscando os olhinhos dispara:
– Aqui dentro da loja eles querem que a gente ache que já é páscoa. Mas a gente sabe que lá fora ainda não é.
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Acaba o carnaval e precisamos viver quarenta dias até a páscoa. Se somos cristãos, é tempo de prestar nossos serviços religiosos. É um tempo de jejum, abstinência de carne, mortificações, caridade e orações. Se não somos religiosos, podíamos aproveitar este tempo de pausa também para nos preparar para o ano que chega de verdade, para nos recuperar das férias e das festas, dos preparativos para o reinício das aulas e, principalmente, para descansar o bolso que já teve tanta despesa.
Mas simplesmente não temos paz para dar esta pausa: já estamos passando por baixo de túneis de ovos em plena quarta de cinzas. Na quinta, as crianças que assistem TV e vão ao mercado já conhecem os lançamentos e começam a listar os pedidos. Elas não querem nem comemorar a ressurreição de Cristo, nem comer o chocolate, querem os brindes xexelentos que vêm dentro dos ovos ou querem ostentar o maior ovo entre os colegas. Algumas querem apenas possuir mais uma evidência de que gostam mesmo daquele herói ou daquela princesa!
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E pensar que tem quase um ano que todo este assédio foi proibido. E pensar que as empresas simplesmente ignoram a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Resolução 163 do Conselho Nacional da Crianças e do Adolescente, que são taxativos na vedação deste tipo de produto – infantil, com personagem, com brinde…
Será que seria tão prejudicial para a infância dos nossos filhos comer ovos normais de chocolate? Será que não seria mais tranquilo e significativo para as famílias abrirem um ovo feito com bom chocolate para ser compartilhado entre crianças e adultos? Para quê cada crianças precisa “do seu próprio” ovo? Será que sem tanto personagem, sem tanto apelo, a páscoa não seria um momento de conexão, de reflexão e de estar junto? Não seria um momento em que cristãos poderiam vivê-la no seu significado original? E uma oportunidade para não-cristãos re-significarem este dia para além do consumismo?
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Nossa proposta é que, junto com a páscoa, festejemos o respeito à infância e nos vejamos livre de tanto abuso publicitário. Em 13 de março de 2015, a Resolução 163, que é a pá de cal no assédio publicitário, faz um ano e as famílias precisam provar ao estado que temos interesse na efetivação da medida, que queremos os personagens no lugar deles e não servindo de propagandista vendedor de porcarias alimentícias. Vamos ao Procon denunciar a existência de ovos com personagem, algo que é proibido do Brasil.
Conheça exemplos de denuncias e a lista dos Procons que aceitam denúncias on line e nos ajude a completar: http://bit.ly/OvoZuado
Faça a denúncia e avise para a gente (estado, empresa, produto) e comentando aqui ou postando no twitter ou facebook com a hastag #pascoalivre #pascoalivredeconsumismo
Imagem da web.
(*) Vanessa Anacleto é mãe do Ernesto, blogueira e autora do livro Culpa de mãe. Por causa disso tudo, ajudou a fundar o Milc e luta por um futuro sem publicidade infantil. É autora do blog materno maeetudoigual.com e membro da Rebrinc.
(*) Mariana Sá é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.
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