publicidade de alimentos / 25 de setembro de 2015

Blogs de verdade e de mentira

Texto de Daniel Becker*

Existem blogs maternos geniais: Mamatraca, Infância Livre de Consumismo, o Cientista que virou mãe e outros. Convidam à reflexão e ao debate, são independentes, e em geral estão focados nos temas mais prioritários da infância: amamentação e parto, boa alimentação, convívio familiar, igualdade social e entre gêneros, educação, meio ambiente.

E existem os que até podem oferecer algumas “dicas” prontas mas na verdade são chamariz para a publicidade. Muito pouco espaço para a reflexão e a crítica social. Acordos – as vezes milionários com grandes empresas que fabricam produtos tóxicos ou nocivos. Ou que fazem publicidade dirigida para a criança ou usam a criança para vender.

Sabemos que a publicidade – como o tempo e a atenção do público – estão migrando para a internet. Uma característica curiosa desse fenômeno é que a publicidade fica cada vez mais oculta, disfarçada em “opiniões”, sugestões e dicas. Na minha opinião, isso é questionável do ponto de vista ético. E muitas vezes mais eficaz que a propaganda direta.

Vejam por exemplo o “blog” “Just Real Moms” A intenção declarada das autoras é faturar ao menos 800 mil reais este ano, segundo uma reportagem em revista de negócios. E como elas pretendem isso? Fazendo do seu blog uma vitrine para “bons” produtos para crianças.

Alguns exemplos de bons produtos:
– Chambinho, o queijinho suíço ultra-açucarado da Nestlé – você deve oferecer ao seu filho porque é o mesmo sabor que você adorava quando era criança.

– Uma dica de lanchinho: sushi de banana com Nutella – veja o texto: ‘podemos até considerar como uma sobremesa ou lanchinho saudável para as crianças, afinal, a banana é uma fruta super nutritiva e a Nutella além de deliciosa fornece bastante energia!” Saudável??? Faltou dizer que a Nutella é 55 % açúcar e 8% cacau. Energia? Sim, para a obesidade, esteatose hepática e diabetes. (ok, pode ser bom, mas consuma com muita moderação)

nutelanaverdade

 

– A promoção do Ninho Fases com a Natura, onde você ganha kits da segunda com rótulos da primeira, afirma que o Ninho Fases “– Não tem adição de açúcares (sacarose que é o açúcar branco e xarope de milho)”. Ele tem sim adição de maltodextrina, um tipo de açúcar de alto índice glicêmico, que pode alterar negativamente a flora intestinal, e que segundo a Natural News, uma das maiores referencias em alimentação natural nos EUA, é majoritariamente elaborado a partir de milho transgênico.

– Promoção do Mucilon, para ganhar uma casa de 300 mil reais e “40 festas infantis de R$3 mil cada para os pequenos (dá para fazer de todas as princesas e heróis, uma por vez, kkk)”; um produto cujo segundo ingrediente é o açúcar, com farinhas altamente processadas, e chega a 87% de carboidratos, ou seja, açúcares. Futilidade e intoxicação, dupla imbatível.

muciloningredientes

 

– Os dois únicos artigos sobre amamentação – veja, um blog de maternidade onde praticamente não se fala de amamentação – são um texto de “dicas” superficial e de péssima qualidade, e outro, de uma brasileira radicada nos EUA, onde amamentar é associado a sofrimento e enfatiza o direito das mulheres a não fazê-lo. É claro que a mulher tem a prerrogativa de amamentar ou não, mas para isso tem que ser no mínimo bem informada e apoiada, coisa que esse “blog” passa longe de fazer.

Nos dias de hoje, muitas vezes nós mesmos somos transformados em marqueteiros involuntários de empresas, Os sites da Coca Cola e Nestlé tem 7 milhões de curtidas cada um; o da Skol, 2 milhões. O da Odebrecht, 250 mil e do Mac Donalds, 50 milhões. Talvez você tenha curtido um desses, mas você se certamente não se informaria sobre sua dieta com uma cadeia de fast food, sobre justiça social ou desigualdade com banqueiros, ou ética empresarial com uma empreiteira como essa.

Então, você procuraria informações sobre como amamentar seu filho numa página de indústria de leite em pó, ou sobre nutrição infantil com uma empresa que faz do açúcar sua forma de viciar crianças? Você estimularia sua filha adolescente a se divertir nos sites de uma cervejaria? Você procuraria o melhor tratamento para seu filho “agitado” num site de uma indústria farmacêutica? (saiba aliás que a maioria dos “questionários” de 5 perguntinhas que mostram como você e seu filho são terrivelmente hiperativos são “plantados” por essa indústria)

Blogs publicitários são representantes “disfarçados” da politica dessas empresas. Então, vamos tomar cuidado com o que lemos e como nos deixamos influenciar. E atenção com a argumentação falaciosa de que temos “liberdade para escolher”, que “cada um é responsável por suas escolhas” – pois é justamente destas prerrogativas que este tipo de publicidade nos subtrai.

Sabemos que a publicidade é importante para o mundo da cultura e dos negócios. E sabemos também que existem empresas – pequenas e grandes – fazendo esforços legítimos de responsabilidade social, sustentabilidade, cuidados com a saúde.

Sim, é possível lucrar e crescer sem intoxicar, envenenar, destruir o meio ambiente e roubar dinheiro público. Vamos apoiar essas empresas, para que elas cresçam e predominem, num mundo mais justo e sustentável.

Portanto, nossa sugestão: cuidado com o que lê na internet. A estratégia da publicidade oculta e onipresente, baseada em técnicas cientificas e neurociência aplicada onde se investem bilhões, é muito eficiente em nos influenciar sem que a gente perceba. Procure sites que tragam matérias reflexivas, que questionem as estratégias publicitárias e clichés do mercado, e que sejam apoiados em boa ciência.

Texto publicado anteriormente na página Pediatria Integral, republicação autorizada pelo autor.

(*) Daniel Becker é médico pediatra e autor da página Pediatria Integral.


Tags:  alimentação infantil mães-mídia mídia e alimentação mídia e mães blogueiras publicidade de alimentos

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Mariana Sá




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