Texto especial para o Milc de Mariana Sá*
Ganhar presente é muito bom, dar é ainda melhor. E, por ser tão bom, quando chega esta época do ano, cresce a nossa vontade de presentear quem gostamos. Aumenta o desejo de lembrar e ser lembrado. E quando falamos em presentear crianças no Natal podemos até suspirar imaginando o brilho nos olhos ao abrir o presente. E está tudo bem!
O que não é tão bacana é quando nos sentimos uma pressão para demonstrar o nosso afeto por meio de objetos a uma lista sem fim de pessoas e, muitas vezes, sem nem saber ao certo do que gosta a pessoa presenteada. É o presente por obrigação. É a pessoa que precisamos fazer constar numa lista sob a pena de nos esquecermos dela quando fizermos nossa incursão em shoppings e feiras e sites e catálogos.
São muitas as lembrancinhas burocráticas e obrigatórias, escolhidas de qualquer jeito, que demos e recebemos. São frequentes até as reportagens sobre natais da lembracinha em tempos mais difíceis do ponto de vista econômico.
E em tempos de crise econômica e desemprego é a compra por atacado de lembrancinhas sem sentido tanto para quem dá quanto para quem recebe. É o momento em que costumamos até nos angustiar porque não temos recursos ou crédito para nos fazer lembrados por meio de objetos.
No entanto, este pode ser o tempo para fechar os olhos e acionar as recordações dos nossos Natais de quando éramos crianças para constatar que a “lembrancinha” memorável é justamente aquela que não está à venda numa prateleira: de que você lembra nos Natais da sua infância? De que você lembra dos últimos Natais?
Se não for aquele presente super esperado, negociado e especial, dá até para apostar que o que virá na memória são as verdadeiras Lembrancinhas de Natal: é o som das correrias e gargalhadas das crianças, é o abraço nos avós, é a emoção e suspiros ao redor da mesa ao lembrar quem não está, é o sabor da comida mais caprichada servida na louça mais arrumada, é a alegria ao encontrar aquele primo distante que vive em outra cidade, é o ritual próprio de cada família nesta data, é a espera, é a expectativa, é a música que só toca no Natal, é a piada besta do “pavê ou pacomê” e é até aquele discussão chata seguidas por muxoxos, gargalhadas e “deixa-pra-lás”.
Para as crianças é o tempo de demonstrar, não apenas com palavras, mas com o exemplo, que o Natal não é apenas um momento de ganhar presente. Que o sentido do Natal precisa estar além do consumo e dos excessos, independentemente da religião (ou não religião) professada pela família. Que o Natal é realmente significativo quando somos capazes de formar lembranças boas, de recordar os momentos em que passamos juntos e de agradecer de coração pelos nossos privilégios.
Nota da autora: obviamente não estou dirigindo este texto à maioria da população brasileira que aproveita o Natal para comprar o material de escola e peças de uniforme escolar para o ano seguinte, que embrulha itens de primeira necessidade e transforma em presente. Também não estamos falando com aquelas pessoas que aguardam o ano inteiro para realizar o desejo genuíno de um filho, neto, afilhado ou sobrinho por um brinquedo. Estamos querendo convidar para a reflexão uma pequena parcela da população brasileira que tem o privilégio de ter renda ou crédito para consumir – inclusive inutilidades e inclusive o ano inteiro – sobre este ato quase automático de presentear. O sonho é nos liberarmos desta angustia que sentimos – todos independente da renda – diante da pressão para consumir e presentear, para que, livres do consumismo, possamos criar e relembrar o sentido significativo e único sobre viver as festas de final de ano junto com quem amamos.
Imagem gentilmente ilustrado por Iris Pirajá (@iris.ilustracao no Instagram) para o Movimento Infância Livre de Consumismo. Ela produz lindezas feitas à mão e realiza oficinas infantis de ilustração para demonstrar que, mesmo sem saber desenhar muito bem, é possível se expressar por meio da arte.
(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.
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