Texto especial para o Milc de Debora Regina Magalhães Diniz, Mariana Sá e Vanessa Anacleto*
Se você é mãe ou pai e tem um filho com acesso à internet certamente já viu no youtube vídeos de crianças desempacotando brinquedos. Essa prática chama-se unpacking (desembrulhar, em inglês). Os vlogueiros mirins não fazem outra coisa a não ser abrir pilhas e pilhas de brinquedos, fazendo cara de surpresa, enquanto outras crianças as assistem, hipnotizadas. Um exemplo é o caso de Ryan que começou a aparecer no youtube com três anos e já faturou 11 milhões de dólares com esse tipo de vídeo (clique aqui).
Os vídeos de unpacking são fenômenos mundiais* e, por conta deles, alguns minibrinquedos colecionáveis como LOL ou Shopkins estão em alta.
Levantamos algumas questões:
1. Por que tantas crianças estão fissuradas por esse tipo de vídeo?
Porque abrir presentes e ver brinquedos é uma coisa que encanta, gera expectativa, surpresa. Porque criança se comunica muito bem com criança: a imersão possibilitada pela tela mimetiza uma intimidade, é como se estivesse ouvindo a opinião de um amigo sobre o brinquedo. E as crianças sonham em viver aquilo. Esses vídeos estão aos montes no Youtube Kids, ou seja, muitos pais ficam confiantes acreditando que estão protegendo seus filhos de vídeos inadequados, mas não percebem que as crianças continuam sendo alvo da publicidade, e de uma forma muito mais sutil e de difícil defesa.
2. Qual o problema desse fenômeno?
Pra começar, o problema maior é o fato de crianças desde muito novas, transformarem um até certo ponto desejado protagonismo infantil em trabalho. Sim, é trabalho infantil: mesmo que consista basicamente em abrir brinquedos, certamente não é tão simples ficar “surpreso” o tempo todo e tem pressão, muita pressão, seja dos pais, seja dos patrocinadores, seja do próprio público.
Além dos prejuízos em potencial às crianças que trabalham, as que assistem também são afetadas negativamente, já que ficaram ansiosas por conta do desejo de consumo despertado por tais vídeos.
É uma maneira que a indústria e a publicidade encontraram de oferecer seus produtos de criança para criança SEM MEDIAÇÃO de nada que pareça adulto (mães, pais, estado, regulamentos, ética), o que, além de cruel, é imoral e ilegal**.
E, se despertar desejos consumistas já é muito ruim para aqueles que tem possibilidade de consumo, para aqueles que não tem gera ainda mais frustração e raiva (e não, não adianta dizer que os pais devem simplesmente dizer não para as crianças, não é tão simples assim: mesmo com recuso, o não-consumo, o estrago psíquico já poder ter sido feito).
3. O que fazer?
Evite que as crianças assistam esse tipo de vídeo. Não há qualquer vantagem em consumir esse tipo de mídia. Se for impossível proibir definitivamente, assista junto e problematize cada take. Não é porque o vídeo é apresentado por crianças e está num canal infantil que ele é menos pernicioso.
Conversem com seus filhos sobre consumo consciente. Leve o debate para a comunidade, para os grupo de pais do whatsapp, para a reunião da escola.
E o mais importante: tire as crianças de frente das telas e deixe-as brincarem o máximo que conseguirem. Incentive-as a cultivarem verdadeiros amigos.
(*) O debate mundial sobre a ética, a moralidade e a legalidade do endereçamento de comunicação merdológica, somada à mudança nos hábitos de consumo de mídia por crianças, fez com que as estratégias de divulgação de produtos infantis, inclusive brinquedos, mudasse radicalmente. Adultos e crianças “aprenderam” a reconhecer o discurso publicitário tradicional e passaram a repudiá-lo, ao tempo que corporações anunciantes, marketeiros e publicitários “apredenderam” um novo caminho para que seus produtos não encalhassem nas lojas.
(**) No Brasil, esse tipo de publicidade não é permitido nem pelo mercado, nem pelo estado. Esse tipo de apelo é considerado abusivo e é proibido pela própria entidade protetora da publicidade, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – Conar, e é vedado também pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA.
Na imagem o apresentador do canal de youtube ‘Ryan ToysReview’ citado na matéria da Revista Exame encontrada em busca na web.
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Debora é mãe de três, professora há 20 anos, doula e educadora perinatal desde 2004. Cursou Letras e Semiótica. É cofundadora do Milc – Movimento Infância Livre de Consumismo, uma das coordenadoras da Roda Bebedubem desde 2012 e membro da Rebrinc. É ativista e implicante com a sociedade atual desde sempre.
Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.
Vanessa é mãe do Ernesto, blogueira e autora do livro Culpa de mãe. Por causa disso tudo, ajudou a fundar o Milc e luta por um futuro sem publicidade infantil. É autora do blog materno Mãe é Tudo Igual e membro da Rebrinc
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