Texto especial para o Milc de Vanessa Anacleto*
Em recente entrevista publicada pelo site Uol, a Vice-Presidente de Marketing da divisão de Foods da Unilever Brasil – lendo ou assistindo à entrevista (há um vídeo na tv uol que linkamos e reproduzimos abaixo) quase acreditamos que a entrevistada fosse da área de nutrição. Mas é só marketing. Na verdade não é só marketing. Nesses tempos em que vivemos tudo é marketing. É curioso ver concedida autoridade numa fala sobre nutrição a alguém que antes era responsável pelas vendas do sabão em pó mais conhecido do Brasil.
E nessa fala com autoridade concedida pelo entrevistador ouvimos:
Deste pequeno trecho extraímos mensagens importantes :
1- O Brasileiro é preocupado com saúde, mas gosta de sal e açúcar (consumidor incoerente e culpado);
2- A indústria quer oferecer produtos mais saudáveis mas o paladar do consumidor não aceita (indústria bem intencionada e inocente x consumidor teimoso e culpado);
3- A mudança nos ingredientes dos produtos precisa acontecer aos poucos para o consumidor entender (consumidor pouco inteligente).
Somos, todos os bilhões de seres humanos que habitam este planeta, resultado de uma espécie vitoriosa que venceu uma série de dificuldades para garantir sua sobrevivência. Sofremos e continuamos sofrendo com guerras e pestes que dizimaram milhões de pessoas, mas nunca tivemos a comida como inimigo. O problema sempre foi a falta de comida. Até a industrialização. Nosso novo inimigo é o produto alimentício industrializado, em pacotinhos coloridos e rótulos incompreensíveis que insistem chamar de comida.
E, se tem uma coisa com a qual realmente não concordamos no discurso da indústria é a história de que o consumidor precisa ser educado para comer. E precisa educado justamente pelos agentes que destruíram o paladar das gerações que vieram após o fim da 2a. Grande Guerra. Precisamos de mais agricultura familiar, não de educação para consumir industrializados. Precisamos de mais divulgação do Guia Alimentar Brasileiro. Precisamos desglamourizar a indústria de alimentos. É só isopor com aromatizante, gente. Isopor com aromatizante, muito sódio, açúcar refinado e embalado luxuosamente.
Compreendemos que, sendo co-responsáveis por uma epidemia de obesidade mundial, as grandes corporações da indústria alimentícia, estejam agora buscando modificar o discurso. Está ficando difícil vender. As pessoas estão começando a buscar alternativas e se esforçando por uma melhor alimentação. É difícil para o cidadão comum, o tempo para cozinhar em casa foi esmagado com o aumento das horas de trabalho fora e deslocamentos em grandes cidades, mas muita gente se vira para tentar comer melhor.
Com tristeza assim assistimos a uma série de pequenas empresas com conceitos sustentáveis de produção e concepção serem assediadas pelas corporações. A Unilever comprou a marca Mãe Terra ano passado e deixou órfãos um bom número de consumidores (nós, inclusive). A indústria diz que está querendo apostar em produtos mais saudáveis, mas nós desconfiamos que querem mesmo é comprar as menores e mais bem intencionadas linhas de produtos para se livrarem da concorrência.
Feiras livres, sacolões, compras coletivas de orgânicos para buscar menor preço, 10 minutos a mais antes de dormir para lavar uma salada e colocar num pote para levar ao trabalho, 20 minutos pela manhã para assar um omelete de queijo para as crianças levarem de lanche junto uma fruta e água na lancheira. Saladas coloridas no verão, sopinhas quentes no inverno, pão de minuto, bolinhos assados rapidamente, iogurte e queijo feitos em casa num sábado pela manhã, tudo isso nos exige um pouco de esforço, um tempo que quase sempre não temos. Mas, tudo isso é resistência.
Podemos resistir e tentar comer um pouco parecido com nossos antepassados. Não é possível fazer isso todos os dias? É sabemos que não. Cada dia que você conseguir, conta. Rende um pouco mais de trabalho (talvez seja até mais planejamento que trabalho propriamente dito e sabemos que planejamento também dá trabalho, ok?), muito mais sabor e definitivamente mais saúde. Não acredite que a indústria precisa educar você para comer. Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida.
(*) Vanessa Anacleto é co-fundadora do Milc
Conheça o Guia Alimentar Brasileiro
Abaixo o link da entrevista ( Perdoem a propaganda incluída. Ela não é nossa, é do Uol. Apesar do sacrilégio acreditamos que vale para que possam assistir à entrevista. Recomendamos o pular o anúncio ou instalar a extensão adblock ) :
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