Por Sueli Sueishi*
O Reino da Bélgica, situado na Europa Ocidental, é membro fundador da União Européia e hospeda, além de sua sede, grandes organizações como a OTAN. O país tem um longo histórico que trata da rivalidade política e cultural entre os flamengos (língua holandesa) e os valões (língua francesa). Bruxelas, oficialmente bilíngue, é a capital da Bélgica. A existência de duas comunidades – flamenga e francófona – faz com que a regulamentação da publicidade infantil seja definida em ambas as comunidades que, por sua vez, diferem na aplicação de algumas leis mas tem como objetivo comum proteger a infância e zelar pelo bem-estar das crianças.
A regulamentação de leis envolvendo publicidade infantil existem desde 1995, algumas até anteriores a essa data. Nos canais da comunidade flamenga está suspensa qualquer tipo de publicidade que anteceda ou preceda a programação infantil. A veiculação de propaganda só pode ser resumida cinco minutos antes ou depois da programação infantil (para menores de 12 anos). Já na comunidade francófona, é proibida a inserção de publicidade infantil em programas com duranção inferior a 30 minutos. Em ambas as comunidades, é notoriamente proibida a veiculação de publicidade de tabaco e medicamentos. Também é proibida a veiculação de brinquedos que imitam ou lembram armas que possam instigar violência, racismo ou xenofobia. Outro ponto interessante é que o país também estabelece o período para que propagandas relacionadas a datas festivas, como Natal e Páscoa, possam começar a ser veiculadas.
E mesmo sendo um país cujo orgulho nacional é a produção de mais de mil diferentes tipos de cerveja, a publicidade de bebidas alcoólicas é levada a sério. É proibida a instalação de cartazes ou outdoors com anúncios de bebidas pertos de escolas ou locais frequentados por menores de idade (com menos de 18 anos). A publicidade de bebida alcoólica, quando produzida, deve seguir diversos critérios, entre eles, jamais anunciar diretamente e/ou mostrar menores de idade bebendo. Não relacionar o consumo de álcool a performance física, condução de automóvel, sucesso social e/ou sexual. Aqui, você pode ter mais detalhes sobre a legislação belga.
Assim como no Canadá, na Europa também existe uma iniciativa voluntária, a EU Pledge, liderada por empresas da indústria alimentícia de regulamentar a publicidade infantil. Essas empresas se comprometem a não veicular publicidade de produtos para crianças menores de 12 anos na tv, mídia impressa e internet. Exceto de produtos que respeitam os valores nutricionais recomendados por instituições reguladoras nacionais e internacionais. Também não veicularão publicidade de produtos voltados para crianças do primário, exceto quando solicitados pela administração escolar com o propósito educacional.
Acrescento também que em 2010, o HSBC realizou uma pesquisa Offshore, Offspring para determinar os melhores países para os expatriados criarem seus filhos. Para isso, expatriados de diversas partes do mundo ponturam seus países “hospedeiros” nas seguintes categorias: saúde e bem-estar, creches e escolas, facilidade de integração e oportunidades. A Bélgica ficou em primeiro lugar, seguido pela Espanha. Em outra pesquisa, realizada pela Mercer Consulting, Bruxelas aparece em 15º lugar entre as 25 melhores cidades que oferecem qualidade de vida para as famílias.
Conclusão
Quanto mais leio sobre a regulamentação da propaganda infantil em outro países mais me convenço de que esse processo está diretamente ligado à prática da boa governança
De acordo com as Nações Unidas, a boa governança depende da capacidade de se colocar em prática características como: Participação, Estado de Direito, Transparência, Responsabilidade, Decisões Orientadas para o Consenso, Igualdade e Inclusividade, Efetividade e Eficiência, e Suporte à Auditoria Fiscalizadora. A boa governança, antes de tudo, é um ideal difícil de ser atingido na sua totalidade. Poucos países e sociedades chegarem próximos desse ideal. Entretanto, para se garantir o desenvolvimento humano sustentável, essas ações devem ser trabalhadas com o objetivo de fazer desse ideal uma realidade.
Abrir espaço para se discutir a regulamentação da propaganda infantil, tendo como foco o bem-estar das crianças brasileiras, é exatamente isso, dar um passo na direção desse ideal e fazer parte de uma mudança que já acontece – aconteceu – em em outras partes do mundo.
Negar a necessidade de se estabelecer essas regras e, pior, tentar convencer a população dos benefícios da propaganda infantil não é apenas irresponsável, mas vergonhoso e retrógrado. Não me surpreende saber que países que já definiram tais regras – como Suécia e Canadá – são considerados exemplos não apenas por oferecerem extraordinária qualidade de vida, mas por respeitarem indivíduos e decidirem com eles, não por eles.
(*) Sueli Sueishi é co-autora do blog Desabafo de Mãe, colaboradora do Infância Livre de Consumismo e membro do Grupo Cria.
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