Texto especial para o Milc por Mariana Sá*
Temos recebido provocações que nos perguntam se vimos e o que achamos da nova iniciativa de uma transnacional para engajamento numa suposta mudança. Pois bem, queremos dizer o que achamos:
Primeiro, achamos extremamente inteligente que empresas modifiquem seu posicionamento de mercado, afinal sabem que as pessoas querem mudanças. No planeta inteiro, as pessoas estão insatisfeitas com o sistema. As corporações têm uma coisa chamada “pesquisa de mercado” e sabem que precisam orientar sua estratégia de comunicação para o que as pessoas querem: basta um intervalo comercial para constatar que as empresas sabem que QUEREMOS MUDANÇAS NO MUNDO.
Segundo, achamos que são inteligentes, mas que os consumidores são mais: os consumidores, ops, os cidadãos SABEM que estas corporações não são parte da solução, mas parte do PROBLEMA. Uma parte pequena ainda, é verdade, sabe que se olharmos a cadeia produtiva completa com cuidado, veremos rastros das empresas na pobreza, na poluição, na exploração de crianças e adolescentes, na violência, na corrupção, enfim, na destruição do planeta: para o planeta mudar, as corporações precisam (talvez sejam obrigadas a) mudar muito.
Terceiro, temos exata clareza de que este tipo de comunicação serve para MASCARAR certas verdades: na impossibilidade de mudarem elas mesmas, de fazerem mudanças drásticas na sua cadeia produtiva, as corporações colocam a CULPA no consumidor: “ora, se eles não comprassem, estes venenos não existiriam” dizem uns, mesmo sabendo que os que compram o fazem porque não sabem de quase nada. E lançam campanhas de engajamento digital ao tempo em que alimentam o lobby contra a rotulagem correta dos produtos alimentícios.
Quarto, achamos que este filminho fofo ofende as nossa inteligência como pais e mães. Esta corporação está usando as culpas, os dilemas, as fragilidades HUMANAS para emocionar e engajar (nenhuma novidade na publicidade, é isso que fazem os publicitários renomados). Aí lançam esta estratégia do “estar com a gente é como fazer a sua parte na mudança” e se mostram como solução, porque sabem, no fundo, no fundo que são, na verdade, PARTE DO PROBLEMA. O consumidor consumindo não muda nada no mundo.
Finalmente, achamos que não vai colar! Tem um tanto de gente suficiente que não deixa enganar a razão pela emoção e sabe que, se precisamos de mudanças, estas não virão das corporações transnacionais: se queremos mudanças, temos que primeiro mudar a nós mesmos, cortar certas marcas da nossa lista de compras (sim, é possível, mesmo estando em grandes cidades) e, ao mesmo tempo, incidir na política, no Estado, no governo, para pressionar por políticas públicas que priorizem a população, os mais vulneráveis, sem dar a mínima para os interesses das corporações… sim, vivemos de utopia!
(Imagem do comercial)
(*) Mariana é publicitária e mestra em políticas públicas. É mãe de dois e escreve no blog Viciados em colo. Co-fundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo.
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