Texto de Mariana Sá*
Continuação do texto Meu filho só gosta da tevê e de mim.
Deve ser mesmo muito difícil não ter ajuda de ninguém, nem mesmo para se cuidar. Entendo que é muito pesado tentar adicionar a tela (aquilo que te dá sossego) à lista infinita das nossas preocupações como mãe, que dá tudo de si e parece que não é suficiente. Mas é incrível que depois da maternidade tudo passe a ser tão difícil e cada coisa pareça meio suspeito.
“Ensinar” um ser humano a brincar requer dedicação. Existem seres humanos que passam a vida inteira sem brincar, apenas dedicados a tarefas e atividades e penso que este seja um dos fatores que nos impede de evoluir mais rápido como sujeitos, como grupo e como espécie. Abundam os estudos que falam sobre a importância do brincar (para crianças e todos nós).
Ter um bebê em casa é uma oportunidade de reaprender a brincar e dedicar tempo a esta importante atividade, boa para o filho e para o adulto. Se dedicar a proporcionar que um bebê encontre o prazer de divertir-se e entreter-se sozinho é uma importante tarefa.
Inicialmente tendemos para o caminho mais fácil: fazer um bebê gostar de tevê é infinitamente mais fácil do que de ficar sozinho sem estímulo externo algum. Entendo quem faz esta opção: tenho dois filhos e ambos adoram uma tela desde bebê. Sei que a tevê é muito mais prática do que qualquer atividade que requer espaço limpo e seguro além da escolha e preparação. Sei bem que parece mais bacana ligar um botão e colocar a criança diante da tela, mas os prejuízos chegam mais na frente.
Com alguma dedicação diária, em pouco tempo, a capacidade e o prazer do bebê em brincar sozinho e de se concentrar numa mesma atividade por mais tempo vai crescendo; e se estiver diante de uma tela, nem a adulto, nem o bebê vão perceber isso. Carregará por muito tempo o estigma de ser uma criança que não sabe brincar e que não consegue se concentrar. E passará a infância sabendo se autocontrolar e manter-se quieto apenas diante de uma tela, alienando-se.
Em nove anos, e com diversas idades e condições de temperatura e pressão, testei muitas hipóteses: muita tela, pouca tela, zero tela e que hoje ainda não fechei a fórmula ideal do tempo de tela por idade, mas que sei que quanto menos melhor…
Existem técnicas para ensinar a brincar sozinho. Vou contar aqui sobre uma maneira que eu aprendi desde a mais velha e que funcionou lá em casa com ambos.
É assim:
– inicie uma brincadeira com ela, sentada ao lado, algo que o bebê goste.
– brinque com o bebê. Aproveite para se divertir.
– em seguida, ainda ao seu lado, observe-o brincar, interagindo cada vez menos, para que o bebê aprecie a própria capacidade criativa.
– com o tempo use o tempo de não interação para fazer algo para você, como passar mensagens, fotografar, tirar poeira em algum móvel próximo… uma coisa só por vez e volte a interagir.
– entre um e dois anos, tempo de concentração é mínimo, então a brincadeira precisa mudar, algo precisa entrar na roda para manter a concentração. Muda cacique!
– daí avise que vai pegar outro brinquedo e se afaste. Sempre verbalize o que estão fazendo e o que pretende fazer.
– volte em pouco tempo (30 segundos, 1 minuto) com algum brinquedo, sente de novo e brinque.
– a cada dia, pratique o afastamento mais vezes durante a brincadeira.
– a cada vez fique mais tempo (adicionando segundos a cada novo afastamento).
– peça que o bebê vá pegar algo e fique sentada esperando.
– sempre elogie e fique contente com a autonomia.
– óbvio que não vale deixar chorar. Nunca! Hora nenhuma!
– se ela chorar explique que o que foi fazer e enfatize que você sempre volta.
– fundamentar legitimar os sentimentos do bebê: é legítimo não querer que a mãe se afaste (saiba disso!), não é bobagem, não é para irritar, não é dengo. É legítimo!
– legitime e verbalizar este sentimento: explique (a si mesmo) e ao bebê que é normal querer brincar com alguém e que com o tempo ele vai gostar de ter o tempo para brincar como quiser.
– com o tempo use o tempo do afastamento para fazer tarefas curtas como passar pano num móvel ou forrar a cama ou tirar o lixo do banheiro ou catar brinquedos no quarto.
– se funcionar bem para você, registre por escrito os progressos, mas não fique obsessiva com o relógio.
– o segredo é alternar tempos de interação com tempos de não interação: ela não vai te dar uma hora sem interrupção.
– ajuste a sua expectativa: óbvio que nunca nenhuma brincadeira vai render o tempo que a tela rende, a capacidade de concentração do brincar é menor. O ganho é em saúde mental a longo prazo, não em minutos.
Enfim, permita-se a sim mesmo e ao bebê testarem outras alternativas e promover a si mesma outras possibilidades.
Leia mais: aqui, aqui, aqui e aqui. Vale explorar este e outros blogs em busca de algo que funcione para você e seu bebê. Boa procura!
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Eu disse neste texto:
– Bebês não precisam de tevê;
– Adultos precisam de tevê para que os bebês fiquem quietos;
– Bebês precisam de interação constante com gente para aprender a ser gente;
– Telas em geral, tevê em especial, causam prejuízos ao bebê a longo prazo;
– Adultos podem se divertir proporcionando uma vida sem telas.
Eu não disse neste texto:
– Que os bebês que assistem tevê vão morrer;
– Que assistir tevê uma vez ou outra vai prejudicar o bebê para sempre;
– Que eu acredito que serei capaz de salvar alguém;
– Que quem não consegue cuidar da casa sem recorrer a telas é uma mãe ruim;
– É melhor um adulto estressado gritando com o bebê do que o bebê estar diante da tela (na verdade é melhor um adulto que sente prazer ao interagir com o bebê, mas sei que nem sempre isso é possível);
– Adultos precisam sofrer para entreter o bebê.
Imagem da web.
(*) Mariana é mãe de dois, publicitária, mestre em políticas públicas e é cofundadora do Milc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.
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