Dentro do avião de volta para casa, depois de um dia longo e cheio de aprendizados, é hora denotar algumas observações. A mais importante é a percepção clara que os parlamentares estão ao lado da infância e que está superada a falsa dicotomia ‘regulação x liberdade de expressão’.
Outra percepção motivadora é a existência muitas pessoas e instituições colaborando para a formação de consensos e dispostas a pensar numa nova comunicação para a infância. Percebi muitas falam apontando alternativas e vislumbrei a possibilidade de inventarmos um modelo brasileiro, diferente das experiências internacionais, que contemple nossas necessidades únicas.
Uma constatação triste é que o mercado abriu mão das discussões pública e trata o tema com um certo escárnio. Não me causa espécie de forma nenhuma que os capitalistas acreditem que podem resolver isso nos bastidores. Se não fosse assim, prepararia melhor os representantes para atuarem junto aos parlamentares e aos movimentos sociais.
Uma das apresentações começou bem, civilizada apresentando dados e pesquisas, mas bastou os representantes do movimento social questionarem e recontextualizarem os dados apresentados por ele, para tirar o palestrante do sério e levá-lo a uma atitude desrespeitosa com a casa, com as autoridades e com a cidadania.
Eu imaginava que era muita grana envolvida, mas o representante da ANDI trouxe a cifra do mercado publicitário de produtos infantis, segundo o Ibope: R$ 280 milhões/ano/Brasil. Isto é uma migalha! Daí me pus a pensar porque brigariam tanto e concluí que não se trata apenas de publicidade de produtos infantis, mas de todo o mercado que usa nossos filhos como representantes de vendas. Crianças vendedoras de produtos adultos com um lugar privilegiado na família.
Aliás fiquei encantada com a fala da ANDI e decidi que quero ser como ele quando eu crescer: civilizadíssimo, objetivo e assertivo. Como todos que estiveram lá falando pela infância. O movimento social que tem fama de baderneiro deu um show de urbanidade neste seminário.
Os parlamentares que se pronunciaram estão muito preparados e sensíveis à causa da proteção à infância. Estou certa de que se depender da força deles, teremos boas mudanças pela frente.
As mães não foram apenas bem recebidas, foram acolhidas pelo parlamento, pelo movimento social presente e pelos jornalistas presentes – todos interessados em saber mais sobre este coletivo nascido da indignação e do cansaço. Felizmente temos um jornalismo público que deu espaço e importância à pauta e estas tais de redes sociais cada dia mais fortalecidas e amadurecidas para enfrentar um debate complexo como este.
Não somos inocentes de acreditar que esta nova regulação da publicidade infantil, seja da espécie que for, ou mesmo a proibição, vá dar conta de todos os problemas da infância. Como todos os problemas da sociedade contemporânea, a proteção à infância requer múltiplas soluções, múltiplos esforços, múltiplas ações: do governo, da sociedade, das escolas e das famílias, e uma nova forma das empresas se relacionarem com a infância, que aufira lucro, sem contudo, violar direitos.
Não queremos delegar a responsabilidade de educar nossos filhos ao Estado ou às empresas. Essa é nossa obrigação, mais do que isso: essa é a nossa paixão! Educar nossos filhos, transmitir nossos valores e formá-los para a cidadania é nossa bandeira. Nem Estado, nem escola, nem empresa é capaz de fazer isso. Educar é tarefa nossa!
Mas não podemos subestimar o papel do Estado de proteger a infância, equilibrar relações de consumo e promover mudanças necessárias para cada tempo. E é tempo de mudar! Não dá mais tempo de ficar neste cada um por si e salve-se quem puder da selvageria. Não dá mais tempo de processar ninguém!
E é nosso papel de cidadãos exercer pressão para que pautas sejam debatidas e soluções legais sejam encontradas. Antes eu me incomodava um pouco com o fato de nós mães não sabermos direito qual a melhor solução. Encontrar estas soluções legais é tarefa do parlamento, sob influência da sociedade civil, da academia e – por que não? – do mercado. Nós sabemos da solução, mas temos nossas prioridades:
É consenso entre nós que a autorregulação nos moldes atuais não funciona. Queremos que o controle da publicidade infantil passe a ser de toda sociedade e não apenas de publicitários e anunciantes.
Hoje sabemos que é necessário alguma restrição seja em relação ao público-alvo da mensagem. Assim, a comunicação dos produtos, independente de serem infantis, deverá ser direcionada aos adultos responsáveis pela compra e não aos pequenos, não prejudicando assim a cadeia produtiva ou o mercado publicitário.
Queremos que as regras sejam mais explícitas que as atuais. Por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor prevê que a publicidade que se aproveita da ingenuidade da criança pode ser considerada ilegal. No entanto, não fica claro o que significa “se aproveitar da ingenuidade da criança” e isso dá margem a diversas interpretações. Aliás, eu nem sei qual a publicidade dirigida ao público infantil que não se aproveita da ingenuidade da criança!
Não abrimos mão de ver nesta legislação um rol de punições rigorosas para anunciantes, agências de propaganda e veículos que desobedecerem a Lei. Acreditamos que a contrapropaganda (veiculação de mensagem que repare a comunicação inadequada, na mesma frequência, nos mesmos programas e com o mesmo investimento feito anteriormente) é uma boa penalidade, pois a reparação é proporcional ao dano.
Se você é mãe ou pai e acredita que basta trocar de canal, desligar a tevê e conversar com seu filho, feche os olhos e imagine um mundo sem publicidade *abusiva*. Que falta faria para você?
[imagem: Joao Guilherme Lacerda | Instituto Alana]
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