Texto especial para o Milc de Mariana Sá*
A publicidade não tem o “dever” de melhorar a sociedade, ela tem a missão de criar uma ligação afetiva entre uma marca/produto e um *consumidor em potencial*. O “dever” principal da publicidade é fazer com que o consumidor deseje o produto anunciado. O auge acontece quando algo faz o consumidor escolher aquela marca e não outra. Isso pe uma técnica e tem nome: AIDA, que é um ciclo que deve ser ativado pela publicidade e pelo marketing Atenção–>Interesse–>Desejo–>Ação – pausa: conhecer mais sobre as técnicas de marketing nos ajuda a perceber e a escapar de algumas armadilhas.
A publicidade pode fazer isso de várias maneiras, mas quero falar da criação de imagens aspiracionais correlacionadas à marca, que, além de atributos tangíveis do produto, revela desejos latentes e entrega valores intangíveis ao consumidor. Assim quando um consumidor adquire um produto de determinada marca, ele não apenas possui o produto, mas todos os valores intangíveis ligados a este, além da crença de estar aplacando desejos: um carro não é só um carro, é uma forma de ser reconhecido; um telefone não é apenas um telefone, é uma maneira de identificar-se com o que há de mais cool, moderno e vip. E por mais que nós, como consumidores, procuremos atributos tangíveis para justificar nossas escolhas diante de uma prateleira, os valores e desejos – algo que é muito subjetivo – ainda estarão comandando.
Veja bem: na publicidade nem sempre está descrito aquilo que somos, mas aquilo que desejamos ser. A pesquisa de mercado descobre anseios que ainda nem somos consciente que temos e a publicidade traduz isso em imagens aspiracionais e valores intangíveis. Assim, quando as marcas dizem que seus produtos alimentício fazem bem à saúde é porque descobriram que as pessoas estão desejando consumir alimentos cada vez mais saudáveis. Quando uma empresa inventa uma historinha (o polêmico story telling) sobre a origem dos seus ingredientes é porque a maioria da população deseja se preocupar com a procedência do que come.
Quando paramos para avaliar cada filme na tevê ou anúncio nas revistas, podemos perceber o valor que cada marca pretende entregar e como estes valores nos definem como sujeitos na sociedade: a publicidade expressa desejos e nos oferece meios para realizá-los. Como mães e pais, somos muitas vezes o público-alvo da publicidade. E a publicidade nos diz quem somos.
E quem são estas mães e estes pais contemporâneos? Como eles agem? O que as mães e os pais desejam e precisam? Qual o poder de compra das mães e qual a influência que exerce nas escolhas no ponto-de-venda? Qual a imagem aspiracional da mãe e dos pais que nasce junto com o bebê?
Você pode não ter todas as respostas sobre você mesma, muito menos sobre todas as mães, mas os anunciantes têm. E vendo os seus filmes com olhos atentos, um ET que chegasse hoje à terra pensaria que as mães e os pais têm uma maneira muito especial de ser, de desejar e de consumir:
– A mãe/o pai terreno quer oferecer sempre o que há de melhor e mais seguro para os filhos.
– A mãe/o pai terreno quer que o filho desenvolva o máximo do seu potencial
– A mãe/o pai terreno quer ver seu filho incluído.
– A mãe/o pai quer ser uma cozinheira elogiada, mesmo quando ferve uma comida instantânea.
– Mais recentemente, a mãe/o pai terreno passou a se preocupar com aditivos químicos, com a procedência e não apenas com o sabor e as vitaminas como antes.
– Parece que agora queremos a mãe/o pai terreno deseja oferecer uma comida feito “com amor” para seus filhos, mesmo que tenha vindo numa caixinha, num pacote ou numa bisnaga. E, de preferência, sem ter afetado o planeta.
(quê mais nós pareceríamos aos ETs? me parece que esta é uma lista infinita: podemos passar dias olhando filmes para mães que dizem o que desejamos ser)
Então o que as recentes story tellings recentemente reveladas como mentira podem dizer sobre nós, como uma unidade?
Parece que agora “todos” querem comer comida de verdade: buscar na prateleira um produto prático que aplaque este desejo é “mais fácil” que preparar uma jantar com ingredientes banais comprados na feira do bairro.”Todos” querem produtos feitos com ingredientes que não afetem a natureza, que tenham sido manuseados por trabalhadores apaixonados pelo produtos e não explorados, e que venham da terra direto para sua mesa: ir no mercado e buscar este valor numa bisnaga é “mais fácil” que plantar o tomate (a laranja, o cacau).
A publicidade nos revela que queremos ser reconhecidos, saudáveis, amados, bons para nós mesmos, para a nossa família, para a comunidade e para o planeta. A publicidade nos revela que queremos plantar nossa comida, ou pelo menos escolhê-la de maneira mais cuidadosa e calma, ou pelo menos ter segurança de que seu cultivo não afetou a natureza ou os trabalhadores negativamente. A publicidade nos revela, sutilmente, que desejamos uma vida mais leve, mais próxima à natureza, mais real, mais simples e menos pasteurizada. A corporação nos oferece produtos embalados em plástico para satisfazer estes desejos.
Mas a publicidade não tem o dever de me ajudar a definir o que sou, a formar meu caráter, a publicidade apenas precisa percorrer o caminho mais rápido entre a atenção e a ação (AIDA, lembra?).
Essa tática foi usada pela Diletto, pela Do Bem, pela Seara e está sendo utilizada pela Hellmann’s, entre outras. E nós ficamos aqui, olhando a publicidade tratar adultos como crianças, através da contação de historinhas, e crianças como consumidores. E ainda dizem que a regulamentação no Brasil funciona. Será mais uma historinha?
(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É autora do blog materno viciados em colo e é cofundadora do Milc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças. viciadosemcolo.com