*Sueli Sueishi-Schmoker
Comparado aos anos 80 e 90, o acesso à informação hoje é indiscutivelmente melhor, mais eficaz e permite, sobretudo, a participação cidadã em todo o mundo. O tal “ativismo de sofá”, como alguns se referem ao movimento Infância Livre de Consumismo, nasceu exatamente assim, na Internet, a partir de informações e estatísticas que vieram de fora – de países considerados desenvolvidos – e que comprovam que a publicidade prejudica o desenvolvimento da criança.
As crianças de hoje, ao contrário daquelas dos anos 80 e 90, estão não apenas mais frágeis e indefesas diante das mensagens subliminares e apelos publicitários, mas também mais obesas. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), houve um aumento de quase sete vezes na proporção de obesidade infantil detectada entre meninos e rapazes nas últimas três décadas e meia. Eram 3,7% os jovens com a massa corporal acima do ideal entre 1974-75; em 2008-09 esse contigente chegou a 21,7%. No público feminino, o crescimento foi de 7,6% para 19,4%.
Se nos anos 80 e 90 as propagandas eram diretas e não escondiam que queriam “vender, vender e vender”, a estratégia atual é outra e, lógico, mais nociva. Hoje consumimos sem mesmo saber por que consumimos. Alienação? Irresponsabilidade? A história não é bem por aí e envolve muita pesquisa, estratégia e manipulação. A Dra. Silvia Aparecida Guarnieri Origoza publicou na revista Cadernos de Debate, da Unicamp, um estudo sobre “O Fast Food e a mundialização do gosto”, destacando o papel relevante da mídia na criação de imagens e códigos decifráveis por grupos. O exemplo citado é do sistema de franquia (McDonalds, Pizza Hut, Burguer King) “que tem demonstrado ser capaz de introduzir novos hábitos de consumo, fazendo o indivíduo sonhar, imaginar e agir concretamente sem que ele perceba que vai sendo conquistado, programado, com sutileza. A publicidade faz tudo parecer normal, livre, e, somente através de um profundo trabalho de observação, podemos perceber e avaliar o grau dessa manipulação do cotidiano via consumo.”
“Importar o produto acabado é importar o Ser, a forma que encarna e reflete a cosmovisão daqueles que a produziram. Ao importar o Cadillac, o chicletes, a Coca-Cola e o cinema, não importamos apenas objetos e mercadorias, mas também todo um complexo de valores e de condutas que se acham implicados nesses produtos”. (Corbisier)
A Dra. Juliet Schor, da Universidade St. Johns, faz uma observação interessante ao afirmar que a New-Coke não é melhor que a Old Coke (em alguns casos, como nesse em particular, é até pior). Mas ainda assim se consome muita Coca-Cola, mesmo sabendo que não faz bem para a saúde. O melhor seria beber água. Então por que ainda insistimos em pagar por uma lata com água e açúcar que só apodrece os dentes? Sim, a bebida vicia, mas compramos principalmente porque somos seduzidos a consumir através de imagens publicitárias poderosas que relacionam o produto com “ser moderno, jovem, sexy ou, ainda, objeto de desejo”.
“A cidade transforma-se em simulacro, preenchida por signos e imagens. Os sinais emitem ordem: Beba Coca-Cola, Fume Marlboro, Compre um Mazda, Use Nike, More em Alphaville, Ande (farol verde), Pare (Vermelho), Diminua o passo (amarelo). Proibido estacionar, Proibido virar à esquerda… Os objetos se dispõem numa ordem hierarquizada, reduzidos ao signo, criando um modelo cômodo para manipular pessoas e consciências na medida em que o signo separa-se do significado e do significante, tornando o objeto mágico que entra no sonho das pessoas. Transforma-se numa ordem que regulariza comportamentos e determina ações. Ao sentido do uso prático se superpõe o consumo do signo. A mercadoria passa a ser produtora de uma realidade, pois transforma em objeto valorizado e desejado. A mídia se instala na vida cotidiana como programação da duração do tempo da jornada de trabalho – não-trabalho através da publicidade” (CARLOS, 1993)
Exigir regras mais claras em relação à regulamentação da publicidade infantil é proteger a criança de um mundo focado na abundância material e no consumo predatório, incentivado por uma indústria que tem como foco unicamente o lucro. Dizer que, ao proibir a propaganda, estaremos educando uma geração de “ingênuos” que não sabem distinguir o verdadeiro do falso ou, pior, que os pais querem se esquivar da obrigação de dizer não ao filho é ter uma visão bem limitada e retrógrada. Apenas uma pessoa que ficou parada no tempo pode comparar e acreditar que as propagandas de hoje são tão inofensivas quanto as de 50 anos atrás. Talvez essas mesmas pessoas também acreditem no velho slogan “rouba, mas faz”, de um velho conhecido no Brasil que, pasmem, ainda “assombra” a política nacional.
E, para finalizar, eu não preciso que uma empresa cujo único intuito é vender se aproprie do mundo de fantasias dos meus filhos para se aproximar deles. Esse papel os livros e as histórias de faz de conta já cumprem muito bem, por isso não precisam aprender por meio heróis que magicamente saltam das caixas de cereais cheias de açúcar e corantes para falar: compre e seja você um herói também! A opinião de que a propaganda infantil, hoje, traz algum benefício às crianças é retrógrada. Lutar por isso é lutar contra o progresso, é ir contra uma tendência mundial que valoriza cada vez mais a economia sustentável e o direito à infância. E para quem esqueceu, segue a definição de retrógrado: Fig. Contrário ao progresso; conservador, tradicionalista, ULTRAPASSADO, obscurantista**.
**Obscurantismo. S.M. Doutrina daqueles que não desejam que a instrução penetre na massa do povo; doutrina contrária ao progresso intelectual e material. ESTADO COMPLETO DE IGNORÂNCIA.