Texto de Tais Vinha
O único alimento infantil produzido pela natureza se chama leite materno. Depois do desmame, os pequenos passam a se alimentar com comida comum a todos os humanos. O que muda é o preparo. Legumes amassadinhos, papinhas de fruta, carne desfiada, mingau de cereal.
Em todos os tempos, em todas as culturas, sempre foi assim. Isto é, até chegar na nossa vez.
Os pais e mães de hoje convivem com uma realidade inédita na história humana. A “comida infantil” inventada pelo marketing da indústria alimentícia. Entra em cena um extenso cardápio de “alimentos” anunciados como práticos para a mamãe e mais aceitos pelos pequenos: sopa pronta, nuggets, bisnaguinhas, bolinhos, biscoitos, petit suisse, macarrão instantâneo, leite fermentado, lanches de microondas, sucos e néctares (em pó, concentrado e de caixinha), refrigerantes, preparados à base de leite, cereais matinais, achocolatados, salgadinhos, combos de fast food, embutidos etc. Isso sem falar nas balas, pirulitos e outras guloseimas.
Observe que nenhum desses produtos é invenção da natureza. Todos são criação da indústria alimentícia que calculou, sabidamente, que uma família consumiria mais se tivesse que comprar alimentos diferentes para os adultos e para as crianças. Isso se chama criar nichos de venda, segmentar o mercado consumidor.
A criatividade da publicidade torna tudo ainda mais confuso. Começamos a realmente acreditar que criança tem mesmo que comer comidas mais fofinhas, doces, coloridas, acompanhadas de brinquedos e personagens. E confiamos que essas comidas são seguras para darmos aos nosso filhos.
O problema é que esses alimentos costumam ser pobres nutricionalmente. Enchem barriga, mas não nutrem como deveriam um corpo em desenvolvimento. Pior ainda, atrapalham por serem ricos em aditivos, conservantes, sódio, açúcar, gordura e farinha refinada.
Resumindo, os alimentos que o marketing transformou em comida para criança podem fazer mal aos pequenos. Além de criarem péssimos hábitos alimentares que dificilmente serão abandonados na vida adulta. E hábitos ruins fazem um bem danado para o mercado de comida pronta.
Estudos hoje apontam que esse problema se torna ainda maior nas classes mais pobres. Com o aumento da renda, os pais estão sendo seduzidos pelo doce canto da indústria. E festejam poder colocar na mesa produtos que antes eram exclusividade das classes média e alta. O problema aqui é que não sobra dinheiro para os alimentos que complementam essa dieta pobre. Frutas, legumes, peixes, raízes, grãos e cereais integrais não entram no cardápio. Pesquisadores alertam para uma geração de brasileirinhos obesos e mal nutridos.
Não podemos condená-los. Neste nosso Brasil das diferenças, a publicidade conseguiu transformar comida industrializada em símbolo de status. Comprá-los é poder dar aos filhos tudo “de bom e do melhor”. É não deixar a garotada “passar vontade”. É realizar o sonho de uma vida “prática” e “moderna”.
Comida pronta faz de mim e dos meus filhos alguém de valor. Com diabetes, pressão alta, colesterol, intestino preso e acima do peso. Mas, enquanto estiver dando para comprar o biscoito recheado deles, está tudo bem.
(*) Tais Vinha é mãe, escritora, ativista e palpiteira e escreve no Ombudsmãe.
Tags: alimento infantil comida industrializada comida saudável publicidade de alimentos publicidade infantil

17 Comments
Acho que esse foi o melhor post de vocês, uma conversa boa de se começar, para conscientizar os pais.
Concordo muito com esse post!
Aqui não tem cardápio diferenciado para minha filha, nem nas refeições em casa, nem nos restaurantes.
Comemos todos juntos a mesma comida, assim, além de ela ter uma alimentação natural e livre de industrializados, melhoramos a nossa alimentação também 🙂
Bom demais!
Tarefa difícil essa de fugir dos industrializados.
Dia desses estava analisando um pacote de biscoito integral, de cacau e castanhas. Tudo ia bem com os ingredientes, mas o tal biscoito levava corante artificial. Pq? Porque provavelmente quando este produto foi testado numa dessas pesquisas de mercado consumidor, foi colocado o biscoito mais natural, menos marrom (e chocolate tem que ser marrom intenso!) e as pessoas preferiram a cor do mais artificial. Então, vamos fazer o mais artificial, que vai vender mais.
O que ninguém explicou às pessoas da tal pesquisa é que o biscoito menos artificial, menos marrom, era natural, sem aditivos, portanto mais saudável.
Somos empurrados a fazer escolhas sem todas as informações possíveis. Discernir é tarefa hercúlea e o bom senso já se mandou há muito tempo!
Beijos,
Nine
Adorei o post!! Mesmo cuidando da alimentação aqui de casa o colesterol anda alto por aqui… Acho que a qualidade dos alimentos realmente anda questionável… Quando li a listinha do que os meus filhos não deviam consumir, já não consumiam… Estou a procura de uma boa nutricionista infantil aqui no Rio de Janeiro – se alguém souber…
Acho que vcs devem comer muita carne/ queijo. Comigo foi assim na infância: não tinha besteira, mas era muuuuuuita carne!
Adriana, o colesterol alto pode ser genético. Se alimentação e exercícios físicos não regularizarem, aí melhor procurar um bom endócrino. Em relação as comidas, colesterol só em produtos dde origem animal. Diminuir os laticínios, quando usar preferir os desnatados. Se comer carne, comer em pequena quantidade. Cuidar a quantidade de ovo ingerida na semana. Evitar gordura animal. Depois de 2 meses nessa dieta, refazer os exames. Se nada disso adiantar só um endócrino para avaliar se é caso de tratar ou não.
Bom dia! http://www.abeso.org.br/irislengruber
Nutricionista Materno infantil.
O estabelecido pela nossa sociedade é que criança é menos. Criança não sabe nascer sozinha, não sabe aprender sozinha, criar suas próprias brincadeiras, vivenciar arte…porque as deixaríamos comer feito gente grande? No geral crianças são tidas como idiotas que dependem de muletas para sobreviver. O conceito de felicidade, alegria, diversão atribuídos aos produtos e alimentos direcionados aos pequenos são desculpas prontas para nossa sociedade com o cérebro atrofiado se satisfazer em ser parte do todo, sem estresse, suficientes em sua ausência de culpa. Criança é gente. Gente em desenvolvimento e cada vez mais, este desenvolvimento é comprometido pela atuação irresponsável de empresas que não entenderam que ser sustentável não tem nada a ver com usar embalagem descartável ou plantar uma árvore aqui outra acolá. O post é muito certeiro quando faz analogia com o Natural. Uma sociedade doente desde pequena não pode ser natural. Tá errado, porra.
[…] mais uma vez ao Infância Livre de Consumismo. Gostar disso:GosteiSeja o primeiro a gostar disso. […]
[…] as nossas decisões. “Nossas” mesmo; euzinha incluída. E nessa hora me lembrei tanto desse texto de um outro blog que adoro, o “Infância livre de consumismo”, escrito por outra Thais, […]
Oi, Thais e demais meninas do Infância livre de consumismo,
Esses dias vivi uma situação que vocês descrevem nesse post. Lembrei dele na hora. Inacreditável! Mas é a verdade.
Se tiverem interesse, escrevi sobre o ocorrido aqui: http://paredetomarapilula.com/2012/12/o-doce-marketing-da-industria-alimenticia/
Um abraço.
ADORO SOU SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E GOSTO DA FORMA QUE MOSTRA CADA ASSUNTO PARA PESSOAS QUE VISUALIZAM MINHA PÁGINA.
Perfeita reflexão!
Prego isso todos os dias em minha prática clínica!
Minha filha de 4 anos só tem acesso a essas coisas com os amiguinhos da escola! Inevitável, já que não podemos mudar o mundo, agimos em nossa casa!
Existe gente já indo contra a maré!!! Ou melhor…… na onda certa!!! http://naturaladomicilio.com/home/natural-banana-kids/
Acho que a alimentação das crianças mudou porque as famílias mudaram. E as empresas do ramo alimentício estão de olho nisso, é claro! Hoje em dia, as mães voltam á trabalhar quando seus bebes tem poucos meses de vida, prarando de amamentar maus cedo! Não temos mais a vovó pra cuidar das crianças! Vejam meu exemplo mesmo: – Meu filho fica na escola 12 h por dia, minha mãe trabalha! Como vou mandar suco natural que seja preparado as 5:30 e dure até as 19h? Qual a fruta que aguenta 13 h por dia em uma lancheira em dia de calor? Infelizmente, as cousas mudaram, a rotina, a organização familiar TB!!!
Ana Paula,
O mundo mudou, mas as coisas não são simplesmente naturais e imutáveis. Para novos problemas, novas soluções. Para soluções insuficientes, novas soluções. Comida pronta não deve ser rotina, deve ser consumida em casos esporádicos.
Suco de caixa é água com açúcar: o que aconteceu com a boa e velha água? Para quê oferecer um produto caro e de péssima qualidade para uma criança? E este lugar onde ela fica não tem estrutura para oferecer uma alimentação adequada para as crianças? Por que a escola não faz o suco lá e oferece em jarra? Os pais já se propuseram a negociar este ponto com a escola? Não me parece adequado que um lugar onde crianças passam 12 horas por dia não tenha uma cozinha ou uma copa para preparo de refeições e sucos. Não me parece adequado que a mãe precise mandar a alimentação do filho, correndo o risco de contaminação e vencimento. Pense nisso! Questione a instituição!
Abraços,
Mariana
Excelente texto! E os maus hábitos alimentares causados pela indústria dos “alimentos infantis” realmente são muito difícil de serem abandonados. Eu durante toda a infância não tive muito acesso a esses alimentos, na adolescência iniciei a transição para uma dieta vegetariana e me alimento com comida o mais natural possivel. Enquanto isso meu companheiro sempre teve acesso a comidas industrializadas, resultado na vida adulta não come nenhuma verdura e pouquíssimas frutas e legumes.