Dizem que existem dois tipos de pessoas: as que dividem as pessoas em dois tipos e as que não.
Pois ultimamente tenho visto dois tipos bem distintos de pessoas no mundo da publicidade infantil: quem é a favor e quem é contra. De cara me arrisco a dizer que, quanto mais se conhece o assunto, mais contra a gente fica. Mas vamos focar no que interessa, que é o que está me intrigando ultimamente: por que ser a favor da publicidade infantil?
Existem vários argumentos.
Acho que o mais comum é apelar para a responsabilidade mater-paterna de educar os filhos. É comum dizerem que a publicidade infantil dá a chance aos pais de exercitar o não, e que proibi-la seria uma forma do governo se meter em assuntos de família.
Bem, depois de um tanto pensar eu concluí que esse argumento é meio furadão. Oras, se não houver publicidade nos conteúdos voltados para as crianças, acabou a nossa chance de dizer não para os filhos? Eu ando bem convencida de que as leis estão aí para isso: regulamentar o básico de segurança, e quem quiser transgredir, alterar e operar com seu direito individual, que o faça em casa – mas pela exceção. O que eu quero dizer é que o mais seguro para o desenvolvimento de uma criança é não ser impactada por publicidade: e essa deve ser a regra.
Andei pensando que o mesmo deveria valer, por exemplo, para alimentação: deviam simplesmente proibir produtos alimentícios com comprovado baixo valor nutricional para crianças e pronto. Quem quiser exercitar o direito de alimentar os filhos com porcaria, que o faça em casa. E assim a segurança do que é oferecido nas cantinas, nas prateleiras do mercado, nos coletivos está minimamente garantida.
Só me parece que as leis deveriam regular para a segurança da maioria, e não para o direito de transgredir normas, que é o que esse argumento furado defende.
Daí falam também que o fim da publicidade infantil acabaria com os conteúdos infantis. Que sem publicidade será o fim dos programas dirigidos para crianças. Eu tenho tido uma visão diferente. Certamente programas como Carrossel não sobreviveriam sem publicidade. Não sobreviveria porque é ruim, simples assim (e certamente ninguém sentiria falta também). Existe uma confusão doida sobre o que é um produto cultural feito realmente para as crianças e o que é um produto da publicidade disfarçado de conteúdo infantil. Mas é simples se a gente se espelhar nos exemplos de países que já adotaram políticas severas de controle a mensagens publicitárias para crianças. Vocês sinceramente acham que as crianças da França não tem conteúdo cultural nenhum porque lá não existe publicidade para financiá-los?
Não há dúvidas de que os lucros das grandes corporações sofreriam impacto com o fim da publicidade infantil, mas a conta é simples: menos crianças impactadas, menos demandas, menos vendas. Tudo bem para as famílias? Parece que sim. Tudo bem para as corporações? Hmmmm… novamente, as leis regulando os interesses de poucos.
Então tem gente que diz que defender o fim da publicidade infantil é coisa de preguiçoso. De pai e mãe que não quer acompanhar o filho, não quer mediar o contato dele com a TV, não quer explicar no mercado que a maçã da Turma da Mônica é mais cara do que a maçã a granel… enfim, uma série de argumentos que culpabilizam (eu, meu marido e talvez você e sua família também). Preguiça, seria por isso que nós andamos nos mobilizando para fazer barulho quanto à problemática da publicidade no país. (risos histéricos)
Pois bem, exercendo aqui o meu direito de cuidar do meu filho como eu bem entendo, outro dia eu botei o menino na casa da avó para ver um programa do canal Gloob. Foi a primeira vez na vida que ele viu uma propaganda de brinquedo, uma pista de carrinhos com dinossaouros. Eu fiquei olhando sua carinha iluminada pelos flashes da edição estroboscópica enquanto uma animação (bem da mentirosa, por sinal) fazia um carrinho ser engolido por um T-Rex. A propaganda acabou, ele suspirou. Olhou profundamente nos meus olhos e disse, muito certo, muito seco: eu vou querer esse brinquedo, viu?
Um menino de três anos que não tem contato com aquela série de carrinhos, não sofre pressão de grupos (porque não vai à escola) e pouco ou nada sabe sobre dinossauros, em 30s de propaganda entendeu tudo: eu vou querer aquele brinquedo. E repetiu algumas vezes, a pista do Rex, a pista do Rex.
Não é exatamente por eu estar com preguiça de explicar para ele ou de negar o seu desejo de ter um brinquedo que ele viu na TV que eu me manifesto contra a publicidade infantil. É porque eu acho uma GRANDE SACANAGEM que a comunicação para o consumo seja tão friamente calculada para atingir – e atinge, certeira – as pequenas mentes em desenvolvimento.
Oras, eu quero, sim, que ele possa ver TV pelo conteúdo, o tão aclamado conteúdo infantil (que no Brasil, convenhamos, é pífio). E não para ser estimulado a querer coisas com base em táticas de comunicação abusivas.
Mais tarde o pai publicitário me contou que essas ações seguem um planejamento inimaginável, com grupos de crianças, psicólogos e muitas vezes parcerias em escolas (!!!! ahhh quase morri) para lapidar as peças publicitárias à perfeição com um único propósito: atingir meu filho.
Sai prá lá! O governo que governe para o povo e proíba ou no mínimo regulamente essa várzea, e quem preferir usar a publicidade como artifício para o exercício do não pode sempre pegar vídeos de propagandas no youtube e colocar para a criança assistir. Em sua própria casa, usando seu direito de mater-paternar da forma que quiser.
E eu quero exercitar meu direito de decidir quais brinquedos realmente são legais e quais são somente propaganda enganosa, coisa que eu sei discernir, meu filho não. Agora adivinha: se a propaganda fosse direcionada para mim, eu teria vontade de comprar aquele brinquedo?
*Anne Rammi tem 33 anos, é paulista, paulistana e vegetariana aspirante. Mãe de Joaquim e Tomás, interessada em dar uma geral no mundo antes que as crianças caiam nele. Artista plástica de formação e cri-cri por vocação, escreve o Super Duper e dá as caras no Mamatraca.
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