denúncias e sentenças / 7 de agosto de 2013

Anunciantes e mídias-mães: uma relação perniciosa

Texto de Mariana Sá*

Não sou uma pessoa que entende muito bem de internet e recentemente percebi que conheço pouco até mesmo a blogosfera materna (inclua aí twitter e facebook, além de outras redes sociais), um pedacinho deste mundo que frequento há um bom par de anos.

Se a internet fosse um planeta, se a blogosfera fosse um país e se a parte dedicada às mães fosse uma cidade, arrisco dizer que vivo num quarteirão. E é um quarteirão tão rico, tão produtivo, que me basta.

Mesmo frequentando apenas um quarteirão, percebi algumas mudanças importantes desde que comecei. Uma das que mais me chama atenção é o interesse de empresas, agências de mídias digitais e anunciantes em estarem presentes neste quarteirão, dada a credibilidade das opiniões maternas. E venho me intrigando justamente com a relação entre esse mercado e as mães-mídia (a famosa mãe blogueira).

Descobri recentemente qual a fonte deste interesse: estive numa reunião sobre primeira infância na Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, em São Paulo, no dia 20/6, junto com outras colegas blogueiras (mães-mídia).

Lá nos foi apresentada uma pesquisa que investiga as principais fontes de informação que as mães utilizam para tomar decisões relativas aos cuidados com os filhos: as mães dão muita importância à opinião de outras mães e às informações que estão na internet para decidir sobre o cuidado com os filhos, perdendo apenas para as recomendações do pediatra. Agora junte a mãe experiente (ou que pelo menos pareça experiente) e um canal na internet para que tenhamos ideia do potencial deste encontro. Uma ideia do poder e da responsabilidade que temos quando possuímos um canal de comunicação com outras mães.

Numa tentativa de organizar meu pensamento para sistematizar uma opinião pessoal, resolvi deixar duas coisas muito claras de saída:

1. Acho legítimo que uma pessoa que produz conteúdo de qualidade seja remunerada por isso;

2. Acho legítimo que anunciantes queiram associar suas marcas a alguém que desfrute de alta credibilidade.

Os dois interesses são legítimos, então estaríamos diante de uma relação excelente para as duas partes se a relação fosse entre dois atores de igual estatura. Ora, quem são as donas do veículo de comunicação? Salvo algumas poucas exceções, a dona em questão é uma mãe que começou de maneira provavelmente amadora a registrar e a produzir conteúdo, e por sua autenticidade passou a se beneficiar com audiência, relevância e credibilidade. Por sua vez, o anunciante em questão é assessorado por uma equipe tão profissional dispondo de pesquisa tão boas quanto vultosas forem as suas verbas.

No seu radar, o anunciante localiza esta mãe ouvida, relevante e acreditada. E começa uma relação com a mãe-mídia. As agências mais “pobrinhas” (ou mais espertinhas mesmo) oferecem um release e umas imagens que, não sei a troco de quê, as mães-mídia colam nos seus blogs.

À medida que os anunciantes vão tendo mais estrutura, oferecem um link na própria página em troca de conteúdo que normalmente alimenta as colunas dirigidas às mães e enriquece o site do anunciante, enquanto confere prestígio e cliques à mãe-mídia.

Daí a mãe-mídia começa a receber brindes que são fotografados e postados junto com a experiência de uso no blog (eu mesma já fiz isso). Porque ganhar um brinde é um atestado de relevância, é um sinal de ter sido levada em conta. É o momento de trabalhar de graça para crescer em prestígio e seguidores.

Já num esquema mais profissional, a mãe-mídia cuida da aparência do blog e começa a pensar no seu press kit. Pode começar a ser convidada para eventos e receber infinitas propostas de parceria por e-mail. Agora é o momento de colher: a mãe- mídia e o anunciante – via agência – sentam-se e negociam um valor pelo espaço e a relação fica bem clara: há quem venda apenas um espaço, há quem venda a sua opinião. Isso vai da consciência da cada um e da linha de cada blog; estando tudo muito claro para as duas partes, para mim está tudo bem.

Meu incômodo mesmo é quando o deslumbramento com um suposto prestígio inebria, quando o deslumbramento com os paparicos enlouquece. É quando a mãe-mídia se oferece como voluntária e gratuitamente começa a advogar para uma marca. Os anunciantes sabem deste deslumbramento, por isso planejam com muito cuidado as suas ações, tanto cuidado quanto têm com a escolha da mãe-mídia certa para cada evento, pois quando escolhem uma errada o tiro sai pela culatra.

Sei que nem todo mundo é obrigado a saber como os bastidores do marketing funcionam, mas munir-se de um pouco de desconfiança é fundamental. É bom saber que os caras estão vindo com tudo para cima das mães-mídia: eles sabem muito sobre nós, eles têm sofisticadas pesquisas de mercado, eles fazem monitoramento do que sai sobre eles, eles contam com a ajuda de algumas outras mães-mídia para saber quem é quem nesta vastidão de perfis, e essas normalmente são consultoras ou curadoras das ações de marketing.

E é isso me intriga! Intriga-me especialmente porque não acho que ninguém – especialmente quem está produzindo conteúdo com tanta qualidade – seja ingênuo a ponto de emprestar sua credibilidade a uma marca qualquer a troco de nada ou quase nada.

Recentemente algumas mães-mídia foram para o Rio de Janeiro para fazer amizade e ouvir contra-informação de uma marca de refrigerante. O fato é que comunidades científicas e médicas do mundo inteiro começam a ter coragem para apontar os perigos das bebidas açucaradas para a saúde pública. É óbvio que o fabricante não vai ficar parado esperando as vendas caírem.

Daí, entre MUITAS ações, chamou mães-mídia do Brasil inteiro para advogar contra o sedentarismo, como se aquela marca não fosse parte do problema da obesidade, como se o exercício físico fosse resposta melhor do que parar de beber a porcaria do refrigerante – ou, pelo menos, moderar e muito no consumo. Muito mais fácil colocar a culpa nos pais que não promovem o esporte do que ser claro de dizer que bebida açucarada engorda e que bebida diet não faz bem para a saúde.

Pelos mais diversos motivos, muitas foram e advogaram pela marca nas suas redes. E eu iria se tivesse sido convidada, iria movida por uma curiosidade autêntica, afinal sou publicitária, e por uma vontade de ver em carne e osso as minhas amigas – iria mesmo, não vou mentir! – mas eu não advogaria pela empresa, aliás eu faria justamente o contrário, por isso este convite jamais chegaria para mim, não precisam de dois cliques para saber que seria um mega erro me colocar naquele espaço; um erro que uma empresa do porte da que estamos falando jamais cometeria.

Nesse evento não foi assinado nenhum contrato de contrapartida, mas mesmo assim mães blogueiras, tuiteiras, feicebuqueiras e jornalistas disseminaram várias informações que representam verdadeiros desserviços à infância.

É quando a mãe diz tchau e fica só a mídia.

Mariana é publicitária e mestra em políticas públicas. É mãe de dois e escreve no blog viciados em colo. Co-fundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo.

(Há alguns meses, Mariana participou de um hangout promovido pelo Mamatraca sobre este assunto. Para ver, clique aqui.)

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Tags:  mães-mídia mídia e blogueiros mídia e mães blogueiras publicidade em blogs

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Mariana Sá




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