Texto de Desirée Ruas*
Dados da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais mostram que uma em cada três crianças de cinco a nove anos está acima do peso. Por causa de alimentação inadequada, outros estados brasileiros também vivem uma realidade semelhante. No Brasil, a redução dos índices de desnutrição vem sendo acompanhada pelo aumento da obesidade entre as crianças. Segundo dados do IBGE o sobrepeso dobrou nos últimos 34 anos, e 15% da população infantil brasileira está obesa
Para entender essa transformação no peso e na saúde das crianças é preciso entender as mudanças da própria infância, da sociedade, das relações familiares e a forma como os alimentos se inserem na vida das pessoas.
O seminário Combate à Obesidade Infantil, realizado dia 25 de junho de 2013 na Câmara Municipal de Belo Horizonte, reuniu especialistas de várias áreas discutindo os desafios para a proteção da saúde das crianças, repensando os papéis da família, da escola, dos profissionais de saúde e a necessidade de políticas públicas que ajudem na promoção da saúde infantil.
Médicos, nutricionistas e psicólogos falaram das inúmeras dificuldades impostas às crianças obesas e suas famílias, que precisam mudar a alimentação e o estilo de vida. Não basta a família não comprar determinados alimentos porque outros espaços de convivência irão apresentar estes alimentos para as crianças. A televisão vai convidar para o consumo e como os pais vão conseguir dizer não? As pessoas são educadas para consumir sem consciência, sem uma leitura crítica do que é oferecido a elas pela publicidade, que enaltece as vantagens do produto e omite seus prejuízos. E pensando que as crianças não conseguem diferenciar o discurso comercial do restante da programação – um dos fatores para se considerar a publicidade dirigida a crianças abusiva – como as famílias vão fazer frente a todas as armadilhas do consumo?
Com açúcar, com carinho
Para mudar essa realidade, é preciso transpor outro obstáculo, provavelmente o mais complexo: a relação entre afeto e alimento. Como dizer não às guloseimas oferecidas carinhosamente pelo avô ou outro membro da família que quer agradar a criança com aquele presente? Com o objetivo de adoçar a vida, os chocolates são um presente muito comum, para adultos e crianças. Mas a relação com o alimento se confunde com a relação com as outras pessoas e com sentimentos que temos por elas. As famílias tentam compensar a ausência com presentes e também com comida. Pais e mães também querem demonstrar o cuidado e o amor que têm pelos filhos aceitando todos os pedidos das crianças com relação a guloseimas e presentes.
A busca insaciável pelos doces e pelo alimento de uma forma geral pode encobrir uma carência emocional. Como abrir mão das receitas de família, dos pratos saborosos e que remetem a pessoas queridas e momentos felizes? Os pais também sentem-se realizados por poderem oferecer a seus filhos alimentos a que eles não tinham acesso quando crianças. E não podemos ignorar o forte apelo dos comerciais que aproximam as crianças desde a mais tenra idade de todo o mundo açucarado das guloseimas por meio da televisão e também da Internet. Sem controle de nenhuma ordem, os comerciais marcam presença na vida das crianças, despertando o desejo por biscoitos recheados, refrigerantes e sanduíches, muitas vezes acompanhados de embalagens com personagens animados e brindes colecionáveis.
Outra explicação para o aumento da obesidade entre as crianças está na falta de brincadeiras. Estamos presenciando uma infância muito ativa intelectualmente, com muito acesso à informação, mas muito passiva em relação ao corpo e ao movimento e que vem desaprendendo a brincar por falta de espaço, companhia ou estímulo da escola ou da família. Excesso de computador, de televisão e joguinhos eletrônicos e quase nada de pega-pega, queimada ou futebol. No documentário Muito Além do Peso, que traz reflexões importantes sobre a situação da obesidade infantil no país, a menina conta que, no recreio da sua escola, “quando a criança corre ela vai para a diretoria”.
Movimentando-se pouco e ingerindo muitas calorias vazias, as crianças podem começar a ganhar peso e até desenvolver doenças típicas de adulto. Obviamente há questões genéticas que fazem com que, em uma mesma residência, dois irmãos que estão expostos à mesma alimentação e ao mesmo estilo de vida tenham pesos bem diferentes. Mas o fato é que, de uma forma geral, a obesidade é hoje uma realidade na vida de milhões de crianças e adolescentes.
Tentar escapar do senso comum e ir fundo nas questões é um desafio fundamental para a compreensão do consumismo e da obesidade, seja em adultos ou em crianças e adolescentes. Se não falta informação, por que continuamos ingerindo alimentos que nos fazem engordar e ter problemas de saúde? E mais: se sabemos o que não devemos oferecer para nossos filhos, por que continuamos comprando estes alimentos? Falta-nos motivação para as mudanças? O hábito tende a sair vitorioso? Estamos nos habituando com um tipo de alimentação não saudável. Alimentos práticos e baratos são encontrados facilmente no comércio (até em bancas de jornal e drogarias) e marcam presença de segunda a domingo em casa e também na merenda escolar. As escolas públicas ou privadas ainda estão longe de ser um espaço de discussão e de exercício da educação alimentar. Até quando as cantinas escolares, terceirizadas ou não, vão continuar vendendo aquilo que é lucrativo, independente de serem permitidos ou não pela legislação e de serem bons ou não para os alunos?
Mudança para toda a família
Profissionais do Grupo de Apoio a Crianças Obesas e seus Familiares do Hospital Infantil São Camilo, de Belo Horizonte, também participaram do seminário. A experiência do grupo mostra a importância da coerência entre o que se fala e o que se faz. A criança não vive isolada em uma família. As mudanças que são necessárias para a alimentação da criança precisam ser adotadas também pelo pai, pela mãe, pelos irmãos e por todas as pessoas que moram na mesma casa. Se uma criança precisa mudar o estilo de suas refeições, toda a família deve repensar sua alimentação e decidir quais são as regras da casa com relação a refrigerantes e sucos industrializados, salgadinhos e doces. Atualmente, nossas crianças comem mais produtos industrializados, menos comida caseira, menos arroz com feijão, menos frutas e mais guloseimas e outros alimentos muito calóricos e pouco saudáveis. Se para um adulto é difícil dizer não ao consumo de alimentos não saudáveis, mas saborosos, imagine para uma criança. É preciso entender como as crianças obesas ou com sobrepeso se sentem. Como crianças e adolescentes vão reagir frente à incoerência do mundo que estimula o consumo e o associa à felicidade e que, ao mesmo tempo, os obriga a ficarem de fora desta sensação de prazer?
*Desirée Ruas é mãe de duas, jornalista, especialista em Educação Ambiental, coordenadora do Movimento Consciência e Consumo, de Belo Horizonte. Atua em causas como defesa da infância e combate ao consumismo infantil, leitura crítica da mídia, direitos e deveres do consumidor e ações socioambientais por uma vida mais saudável.
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