No início de agosto, o Movimento Infância Livre de Consumismo foi contactado por um pai indignado com a mais recente propaganda do Ades para crianças. E mais indignado ainda com a resposta da Unilever. Vejam como o processo se desenrolou:
Depois de ver o comercial algumas vezes, Venilson enviou uma reclamação através do site da empresa:
“Gostaria de lhes dizer que repudio veementemente o comercial do Ades no mundo de Max, mostrando duas crianças correndo, pulando e se transformando em seres antropomórficos. O fato é que a criança demora um bom tempo para conseguir separar a realidade da fantasia e eu, como pai de uma criança de 3 anos, tenho tido dificuldade em explicar a ele que o fato de tomar Ades não o transformará em um Leão acrobata. Além disso, a propagando o influenciou a tal ponto dele achar que pode pular de janelas. Lamentável.
Venilson Fonseca”
Resposta da Unilever:
“Olá, Venilson.
Antes de tudo, agradecemos que tenha entrado em contato conosco a fim de expor a sua opinião sobre o desenho Max. Saiba que sua participação é muito importante e funciona para nós como um indicador de satisfação.
Compartilhamos o seu e-mail com a área de Marketing e Desenvolvimento para que tomem conhecimento de seu relato e saibam de sua opinião a respeito da referida campanha publicitária. Afinal, quando o assunto é quem amamos, devemos ter muito cuidado!
Continuamos à disposição para atendê-lo!
Atenciosamente,
Equipe do Serviço de Atendimento ao Consumidor – Unilever Brasil”
Não satisfeito, Venilson, que também já havia feito uma denúncia do comercial ao Conar, enviou à empresa algumas considerações importantes para reflexão:
“Obrigado pela resposta. Mesmo sendo uma resposta padrão, vazia de significados e que não resolve coisa alguma, já esperava este tipo de réplica de uma empresa gigante como a Unilever.
O fato de encaminharem minha mensagem para a ‘Área de Desenvolvimento e Marketing’ também nada irá acrescentar, já que a Agência de Publicidade responsável pela campanha ficará muito feliz em saber que os resultados estão sendo atingidos, por mais paradoxal que isso possa parecer. Mas não para mim. Explico.
A propaganda de um modo geral, em princípio, deveria servir para ressaltar as qualidades do produto ou serviço, bem como seus possíveis benefícios à saúde, ao bem estar das pessoas ou mesmo para sua comodidade. Há muito tempo que os estudos sobre marketing e propaganda já não se utilizam tanto desses estratagemas: basta pensar na própria campanha citada, Ades no Mundo de Max, e perceber que não há sequer uma imagem, uma fala, uma menção aos supostos benefícios da bebida. O que se tem é a criação de um mundo imaginário, espetacular, onde seres antropomórficos andam em duas pernas, agem como acrobatas e depois se transformam novamente em duas crianças que bebem Ades. Esta é a típica publicidade direcionada exclusiva e totalmente para o público infantil, incapaz de se defender de tamanha crueldade, de conseguir separar a fantasia da realidade – mesmo a publicidade direcionada a adultos é carregada de simbologias e valores deturpados, como os comerciais de cerveja, mas isso é outra história e a Unilever não tem nada que ver com isso.
Em países com um senso mínimo de proteção às crianças mais desenvolvido, a publicidade infantil já foi banida há tempos, como é de conhecimento da própria Unilever, pois é uma multinacional e atua também nos EUA e na Europa e lá não produz este tipo de campanha utilizado para o Ades. Os produtos, mesmo os direcionados ao público infantil, têm campanhas para adultos, já que, no final das contas, são mesmo os pais que precisam zelar pelo bem estar de seus filhos.
Contudo, também sei que quase a metade das compras efetuadas pelas famílias brasileiras tem nas crianças o grande poder de decisão, e não é à toa que haja tanta publicidade direcionada para elas: até mesmo o ‘singelo’ fato de balas, doces, achocolatados e tudo o mais com péssimo valor nutritivo, entupidos de açúcar e gorduras, serem expostas nas prateleiras mais baixas dos supermercados, padarias e farmácias. Também não surpreende que os super-heróis da tv estampem cadernos, xampus, balas, mochilas, bebidas como o Ades e toda a sorte de produtos que, provavelmente, não venderiam tanto se não fizessem uso destes artifícios.
Também sei que a Unilever Brasil não está preocupada com isso, bem como praticamente todas as outras empresas do setor. Na realidade, quem manda mais em gigantes como a Unilever não é o departamento de marketing ou o Código de Ética da Cia, mas os executivos que precisam apresentar resultados perante seus acionistas. E um gráfico descendente na escala de lucros auferidos fala mais alto do que o gráfico ascendente do número de crianças respeitadas!
Por fim, como uma vingança mesquinha da minha parte, sei que a maioria dos que trabalham na Unilever Brasil, na Ades, os acionistas, os executivos e as agências que produzem campanhas publicitárias quase criminosas como essa, também têm ou terão filhos. E tenho certeza de que passam pelas mesmas dificuldades que eu, como pai, enfrento para educar meu filho em meio a tanta barbárie, violência e negligência aos valores humanos mais básicos. O feitiço, neste caso, não se volta contra o feiticeiro, mas atinge a todos, indistintamente: feiticeiros, feitiços, crianças, filhos dos feiticeiros, o Max, o acionista, o executivo, a bruxa má e também a Branca de Neve e o Homem Aranha.
Venilson Luciano Benigno Fonseca”
Também não gostou do comercial e da resposta da empresa? Denuncie! Veja abaixo um exemplo de denúncia enviada pela Mariana Sá ao Procon-BA, que foi adaptada e também enviada ao Conar:
“Prezados,
O novo comercial do suco de soja Ades desrespeita o Código de Defesa do Consumidor.
O filme mostra duas crianças tomando o suco na sala de aula e em seguida se transformam em seres imaginários. Na medida que correm, pulam e fazer outras estripulias no pátio da escola, os seres imaginários aparecem fazendo as mesmas coisas em cenários fantásticos, dando a ideia que as crianças se transformaram naqueles seres. Este filme passa no intervalo de desenhos dirigidos às crianças menores e é consolidado o entendimento que a criança menor de seis anos não tem a habilidade de distinguir a realidade da fantasia, assim como não consegue entender o recurso de linguagem usado para diferenciar a realidade (crianças brincando no pátio), da imaginação (seres imaginários brincando num cenário fantástico).
É uma tarefa quase impossível explicar a uma criança de três, quatro ou cinco anos que beber o tal suco não irá transformá-la num leão acrobata. Temo até que crianças se coloquem em situações perigosas após tomarem a bebida, como pular de lugares altos ou até mesmo de uma janela.
Peço que, de maneira urgente e definitiva, o Procon Bahia obrigue a Unilever a tirar imediatamente este filme do ar – na tv a cabo e na tv aberta – obedecendo o que reza o Código de Defesa do Consumidor, no seu Artigo 37, § 2°. Infelizmente o órgão de autorregulamentação publicitária tem demorado de três a quatro meses para agir contra a publicidade dirigida à crianças, e neste tempo uma tragédia pode acontecer.
Saudações,
Mariana Sá”
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