Texto de Anne Rammi*
O sonho de todo menino é tornar-se príncipe.
Eu tenho dois meninos em casa e vejo todos os dias que essa história de amor aos príncipes é um interesse natural deles.
Como eles gostam bastante, sempre comprei todos os títulos de livros, DVDs e brinquedos sobre esse tema. Acho importante a criança desenvolver a imaginação sem limite, só que respeitando o interesse que eles demonstram pelas coisas. E todo menino quer ser príncipe. Quer alguma coisa mais mágica para os meninos do que sonhar com suas roupas de príncipes? Capas? Cavalos? Sonhar com o dia que sua Princesa virá resgatá-lo e juntos construirão seu próprio castelo?
Não vejo maldade nenhuma em estimular esse tipo de criatividade.
Eles têm muitas histórias favoritas, uma delas é a do Príncipe Arielo, que tem muita raiva do seu próprio corpo. Ele vive entediado no fundo do mar, mas se apaixona por uma garota humana, interessante. E troca tudo o que ele tem de mais precioso – sua voz – por um par de pernas. Nesse filme, a gente ouve: “Mulheres abominam homens tagarelas, garotos caladinhos é o que elas gostam”. Meus meninos sabem cantar todas as músicas desse filme, e eu não me preocupo com essa perseguição contra a cultura dos príncipes porque não são as coisas que eles assistem na infância que vão determinar tudo o que eles vão ser na fase adulta.
Meu marido sempre foi estimulado a ser um príncipe, brincou a vida inteira com seus Barbichos Príncipes e está aí. Ele é um ótimo pai e profissional também, consegue conciliar tudo: casa, família e as coisinhas dele.
O brinquedo favorito do mais novo é uma peça que a gente acabou de comprar para o castelo dos Barbichos Príncipes, que é uma carruagem. Eu não tenho esse problema de ele se interessar por coisas que não são do universo dos meninos, como os príncipes, os elfos, os gnomos. Tanto que estimulo bastante que ele brinque com a carruagem, que nada mais é do que um carrinho. O legal da coleção de Barbichos que eles têm (a gente já sabe que a nossa sociedade tem essa preocupação) é que tem também outros tipos de bonecos, como veterinários e cientistas. Tem até presidente! Eles não brincam só com príncipes, eles podem ser o que quiserem.
Outro filme querido aqui em casa é a história do Príncipe Jasmino. Ele é muito ativo e adora aventuras, mas vive praticamente preso num castelo, esperando que uma garota livre e sua amiga genial da lâmpada apareçam para resgatá-lo do tédio. Ele também desafia sua mãe, que é muito conservadora. É uma história estimulante por mostrar que meninos também podem ir atrás dos seus sonhos e voar em tapetes especiais. Não são só as meninas que nasceram com essa liberdade.
É muito legal que outros títulos estejam surgindo: agora tem até o príncipe Merido! Um garoto que gosta de coisas bem femininas, como atirar com arco e flecha. E acaba o filme sem princesa nenhuma ao seu lado. Mas continua sendo, como todo bom príncipe, um bom modelo de beleza e comportamento.
Outro dia encontrei na internet uma coisa que eles vão adorar, estou me programando para matricular o mais velho, que logo fará quatro anos: a Escola de Príncipes!
Achei que é uma proposta muito interessante, focada em valores, em ética. Andei pesquisando e vi questionamentos na internet desse pessoal que gosta de criticar tudo, sem usar o crivo da razão. E, sinceramente, só vi benefício para meus meninos. Pensa bem, que garotinho de quatro anos não gostaria de passar uma parte das férias em uma casa projetada como se fosse um castelo, aprendendo a postura correta para se beber chá, sem colocar o cotovelo na mesa e limpando a boquinha com delicadeza para não borrar o batom.
Eles nem estimulam muito essa coisa da maquiagem, o que eu acho legal, porque eu não gosto de adultização. Salto só numa ocasião de festa, mas na escola de príncipes eles usam toda a roupa especial e aprendem como descer a escada de armadura, pois mesmo dentro de seus castelos, enquanto suas princesas defendem seus reinos, os príncipes devem estar vestidos de acordo.
Falei para meu mais velho e ele adorou a ideia, como se estivesse em um conto de fadas. Os olhos dele brilharam e logo saímos para escolher a armadura que ele vai usar durante o curso, com outros garotinhos da idade dele. Um módulo que eu achei super interessante foi a parte de aprender a cuidar do castelo. Todo príncipe tem um castelo, e lá no curso eles ensinam coisas simples, mas que fazem a diferença para o dia-a-dia dos príncipes, como organizar as almofadas em cima da cama. A cama de um príncipe jamais pode ser bagunçada. Eu vejo isso pelo meu marido, ele realmente se sente mais feliz e confortável quando ele arruma a cama. Tudo bem que sempre fica me pressionando para que eu participe dessas atividades, mas acho que isso é coisa mais dos príncipes, até porque nós mulheres não temos esse interesse natural pela organização do castelo que os meninos demonstram desde cedo. Eu vejo isso em mim e nos meus filhos. É natural, meninos e meninas têm interesses diferentes e precisam ser estimulados de acordo.
Eu acho favorável porque usa o lúdico, a imaginação, essa coisa inerente aos meninos, que têm interesse pela magia, pelas fadas, os cristais, as coroas, a beleza dos trajes, da organização da casa e da delicadeza, sem falar que está tudo dentro de um contexto atual e divertido: eles aprendem até sobre generosidade e a história de príncipes da vida real, como por exemplo o Príncipe William, que um dia será Rei, e vive hoje o momento mais maravilhoso de sua vida desde o casamento, que é na verdade o momento mais especial da vida de um príncipe, seguido da chegada de um filho.
O curso de príncipes também aborda esse enfoque: “Nem mesmo a realização profissional supera as expectativas de um bom casamento. Enfim, a ideia de felizes para sempre é o sonho de todo príncipe.” Algumas amigas minhas ficaram dizendo que isso é muito atrasado, que coloca os meninos em posição de inferioridade às meninas. Enquanto elas são estimuladas a brincar de qualquer coisa nas férias, eles são estimulados a casar, comportar-se bem e cuidar do castelo, mas eu não vejo assim.
Primeiro porque eu também acredito que o sonho de todo menino passa por uma relação de amor, eu vi isso com o pai deles, o quanto ele se sentiu completo depois que eu entrei na sua vida. E nem adianta falar de trabalho, importante para ele é mesmo os filhos e a família, isso é natural do ser-homem. E depois, gente, porque criança não tem maldade. Criança só quer brincar de faz de conta, e isso meus meninos fazem muito bem. Muito melhor do que ficar em casa assistindo os desenhos dos príncipes, que é o que eles gostam de assistir, é poder vivenciar isso na prática também.
Não adianta a gente criar filhos em bolhas. Temos que deixá-los viver essas experiências, claro, sempre nos informando e questionando. A cultura dos príncipes está aí, faz parte do imaginário dos meninos, eles gostam, sentem-se felizes assim e existem várias opções para que possam se divertir e celebrar essa magia. Brinquedos, livros, passeios e até mesmo uma escola de príncipes. Quem sabe um dia não fazem uma escola de princesas. Assim essas molecada indomável vai começar a dar valor para a vida em família, o cuidado com seu castelo e uma vida de respeito, caráter e retidão, aliados à beleza e ao amor.
Assim como meus meninos príncipes.
*Anne tem 33 anos, é paulista, paulistana e vegetariana aspirante. Mãe de Joaquim e Tomás, interessada em dar uma geral no mundo antes que as crianças caiam nele. Artista plástica de formação e cri-cri por vocação, escreve o Super Duper e dá as caras no Mamatraca.
(Este post foi inspirado na polêmica Escola de Princesas, uma iniciativa bastante debatida nos últimos tempos.)
(Imagens: stock.xchng)
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