adultização e erotização / 7 de novembro de 2013

O que estamos fazendo com nossas meninas?

Texto de Mirtes Aquino*

Há alguns anos um outdoor de uma badalada marca de roupas infantis causou furor ao trazer a foto de uma menina de uns quatro ou cinco anos deitada de lado em um divã com a boca suja de açúcar e segurando um doce sob o slogan “Use e se lambuze”. A cena era claramente erotizada e foi denunciada ao Ministério Público. Na época eu era mãe de uma bebezona e aquele me pareceu apenas um caso isolado e infeliz.

lilica ripilica outdoor

Mas minha filha cresceu e comecei a perceber o óbvio, que parece não chocar mais ninguém: coleguinhas da escola ou do prédio que usam maquiagem, salto e esmalte – às vezes desde os 2 anos de idade; festas de aniversário de meninas de cinco anos em salão de beleza, com direito a produção completa, desfile e fotos em poses adultas como recordação; meninas imitando cantoras e personagens com performance erótica; crianças cada vez mais novas em fotos sensualizadas no facebook, às vezes ao lado das mães, numa visível antecipação da adolescência – fase cada vez mais extensa da vida. O óbvio é que nossas meninas estão cada vez mais cedo e mais intensamente sendo adultizadas e erotizadas, e isso já não choca a maioria que, aliás, parece gostar bastante desse modelo.

Queria abrir um parêntese para dizer que aqui não me refiro ao faz de conta, à imitação como forma de entender o mundo adulto. Minha filha tem uma penteadeira de brinquedo, com pente, escova, batom, estojo de sombra e pote de esmalte, todos integralmente de plástico, permitindo o faz de conta livre, que se desfaz quando a brincadeira acaba ou é substituída por outra. Falo da menina de seis anos que chega ao aniversário do coleguinha de batom vermelho e salto ou que dança a “música da moda” com todas as poses erótica aos quatro anos – só para usar exemplos próximos a mim. Isso não é um simples faz de conta e reflete a triste realidade de meninas que já não têm tempo de ser apenas crianças, que precisam aprender a ser adultas já. E isso assusta.

Monster High 3

Outro dia conversava com mães de adolescentes e descobri a “nova moda” entre os adolescentes da cidade: as meninas tiram fotos sensuais de calcinha e sutiã, ou só de calcinha, e enviam aos meninos pelo whatsapp, que as colecionam como colecionam figurinhas dos jogadores do campeonato brasileiro. Isso com meninas de 12 a 14 anos, em média. As mães pareciam assustadas e atribuíam a questão à adolescência. Mas eu fiquei pensando: que comportamento devemos exigir de meninas de 12 anos que se “fantasiam” de adultas e são incentivadas a imitar comportamentos erotizados desde a primeira infância? Não estariam elas apenas atendendo aos estímulos recebidos no passado?

grendene_barbie

Refletindo sobre tudo isso, é inevitável perguntar: o que estamos fazendo com nossas meninas? Por que queremos apressar a vida das nossas crianças? Por que queremos encurtar o tempo que têm para ser apenas… crianças? Esse tempo é único e vai passar rápido, então por que privar nossas meninas de vivê-lo plenamente?

grendenen-meninas

Não sei responder com exatidão às perguntas acima, mas tive uma pista alguns meses atrás. Das poucas cenas que assisti da primeira recente novelinha sbteana para crianças (?), uma me chamou atenção: uma das alunas acordando de maquiagem e cabelo escovado. Isso mesmo, a menina estava de pijama e tapa-olhos, dormindo em sua cama e, ao ser acordada pela mãe, senta, tira o tapa-olhos, e… tcharam!!! Maquiagem e cabelo impecavelmente escovado. Sabendo que a emissora que produziu o programa pertence a um grupo que possui também uma empresa de cosméticos que tem investido pesado em propaganda na programação televisiva, imagino o quanto é interessante para eles incentivar a maquiagem desde a mais tenra idade. A quem interessa ter meninas encurtando suas infâncias? E aí é impossível não lembrar das propagandas de sandalinhas com salto, deste ou daquele personagem, com crianças maquiadas, desfilando em passarelas e posando para fotos. Ou as propagandas de bonecas de corpo longilíneo, maquiagem pesada e roupas sensuais simulando cenas de sedução e ofertando mil roupas e acessórios para serem trocados.

A quem interessa ensinar nossas meninas a agir e consumir como adultos? A quem interessa incutir a ideia de que crianças sensualizadas e agindo como adultos é algo “bonitinho” e “engraçadinho”, e que, portanto, deve ser incentivado? O que estamos permitindo que façam com nossas meninas?

*Mirtes é economista, funcionária pública e mãe da Letícia, que há seis anos a ensina que é possível construir um mundo melhor. Escreve no Cachinhos Leitores, seu blog sobre literatura infantil.

v


Tags:  #publicidadeinfantil adultização consumismo infantil crianças e publicidade erotização

Bookmark and Share




Previous Post
Reflexões e experiências sobre o Dia das Crianças
Next Post
Estamos sendo envenenados?



Mariana Sá




You might also like






More Story
Reflexões e experiências sobre o Dia das Crianças
Texto especial para o Milc de Rafael Ladenthin* Aqui em casa abraçamos o movimento para fazer um dia das crianças diferente,...