Texto de Patrícia L. Paione Grinfeld*
O enxoval do bebê é um capítulo grande na vida de quase todas as gestantes. Além de atender materialmente as necessidades do bebezinho que está por vir, ele envolve sonhos, desejos e expectativas que nutrem a importante função de imaginar o bebê que se espera, seu lugar na família e no mundo. Através de sua execução, o bebê se torna mais presente e real na vida dos que o aguardam, o que contribui tanto para o processo de subjetivação do bebê quanto para a construção dos novos papeis daqueles que estabelecem com ele algum laço afetivo, em especial sua mãe e seu pai.
Se por um lado o ritual de preparação para a chegada do bebê propicia a vinculação, por outro, não podemos ignorar os atravessamentos familiares e sociais na relação com o novo serzinho. Do ponto de vista familiar, o enxoval é desenhado pelas histórias e tradições de cada família, seus anseios, receios, crenças e valores. Do ponto de vista social, ele reproduz um sistema marcado pelo excesso e pelo imediato, tanto em sua forma – hoje é possível encontrar em um só lugar tudo o que o bebê “precisa” para os vários momentos de sua vida – como em seu conteúdo. Basta observar as listas de enxoval para bebês para ver o quanto elas são entupidas de necessidades desnecessárias, que podem tornar-se desnecessidades necessárias conforme a demanda do bebê, da dupla mãe-bebê e da família.
A ideia de tudo vai de encontro com a fantasia de totalidade, de ausência de falta, presente em todos os humanos, mas potencialmente aguçada nas gestantes, que vivem, mesmo que em nível inconsciente, a fantasia da completude. Materializada no discurso de que “é preciso dar o melhor para o filho” ou de que “é melhor errar para mais do que para menos”, nosso contemporâneo não dá chances para primeiramente saber quem é este bebê e o que ele, a dupla mãe-bebê e a família realmente precisam. O tempo da espera e da descoberta é abolido em detrimento do tempo do ter e da prontidão, que preenche a angústia de aguardar e decodificar.
Nesse equivocado conceito de que boa mãe ou pai são aqueles que não deixam faltar nada para o filho, acaba prevalecendo um modelo de relação onde há pouco espaço para as frustrações e o imprevisto – a primeira, necessária para qualquer crescimento e, o segundo, inerente à vida.
Não é tarefa fácil distinguir o imprescindível do necessário, o necessário do desejo, o desejo do excesso, o eu do outro, ainda mais quando se trata de um bebê e sua mãe (ou cuidador). Quem precisa o quê? Por quê?
Tomemos como exemplo a babá eletrônica. Item presente na maioria das listas de enxoval, ela vende a ideia de que a atenção ao bebê jamais será perdida, já que é possível ouvi-lo (e em alguns modelos, vê-lo) dentro de uma determinada distância. De fato, a atenção ao bebê é imprescindível. Mas será que é necessário um aparelho que amplifique o choro do bebê, especialmente em imóveis pequenos, que permitem que os sons sejam ouvidos de qualquer ambiente do lar? Qual é o desejo que está em jogo?
Aqui entra em questão a necessidade do bebê de ser atendido versus as parafernálias que vão ocupando precocemente e de maneira nada consciente o lugar da relação. Na medida em que um objeto desnecessário intermedia a relação de cuidados para com o bebê, corre-se o risco de a mãe (ou cuidador) não aprimorar sua capacidade de observação diante das manifestações do bebê. Assim, o que deveria aproximar a dupla acaba, no decorrer do caminho, prejudicando a tão importante sintonia mãe-filho.
Em algumas situações, o objeto desnecessário pode minimizar a angústia materna de, por exemplo, estar separada do filho. Porém, sem entender o que gera essa angústia, o objeto torna-se um paliativo e a situação certamente se repetirá diante de outras vivências de separação.
Do mesmo modo em que há objetos que atravancam as relações, há aqueles que aparentemente promovem o desenvolvimento do bebê. São exemplos clássicos as cadeirinhas com ou sem vibrador, com ou sem brinquedinhos pendurados, cujo apelo é acalmar e/ou estimular os bebês (duas funções que por si só podem ser contraditórias – a estimulação excita e não tranquiliza). Para se desenvolver, o bebê precisa da presença humana e de um espaço que favoreça a livre exploração. Muitos se entretêm brincando com o próprio corpo. Por isso, mais uma vez a mesma pergunta: Quem precisa o quê? Por quê?
As listas de enxovais para bebês não levam em conta que cada bebê, dupla mãe-bebê ou família apresenta uma necessidade que lhe é única. Por mais que possam ser personalizadas (os baby planners e mommy’s concierges estão crescendo como mais um serviço para as futuras mamães – há de se pensar, inclusive, se esta não é uma antecipação dos cuidados terceirizados), elas priorizam o ter em detrimento do estar/ser, o tudo em lugar do suficiente, a garantia ao invés das incertezas e das descobertas, os objetos e não a relação.
Um bom enxoval deve ter o essencial para garantir o conforto e a segurança do bebê e de quem a ele dedica seus cuidados. Ele precisa, desde cedo, ter itens que favoreçam o bebê descobrir a si e ao mundo da maneira mais livre e espontânea possível. Acima de tudo, num contexto em que muitos produtos e serviços são tidos como essenciais, o enxoval do bebê precisa ser consciente e sustentável: consciente no sentido de buscar entender a necessidade de cada item contido nele, e; sustentável no que se refere à sustentação do vínculo, portanto, da conexão mãe-bebê, primordial para o desenvolvimento saudável do bebê.
Assim, por mais tentador que seja entrar numa loja de produtos para bebês, é preciso parar e pensar, pois não é apenas o bolso que está em questão, mas as relações que o entorno do bebê estabelece com ele e, mais tarde ele estabelece consigo e com o mundo.
Texto publicado anteriormente do blog Ninguém Cresce Sozinho – Imagem da web
(*) Patrícia mora em São Paulo, é psicóloga e 2x mãe. Por acreditar que pequenas atitudes podem ser transformadoras, faz seu trabalho de formiguinha na vida e na profissão. É idealizadora do blog Ninguém cresce sozinho e nunca acreditou tanto na importância do trabalho do MILC quando, ao ler “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa” para um grupo de crianças entre 2 e 8 anos, uma menina com 3 disse: “Olha a Barbie”, apontando para a chapeuzinho vermelho da história.www.ninguemcrescesozinho.com
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