Texto especial para o Milc de Anne Rammi*
Surpreendeu-nos na última possibilidade frente ao parlamento nacional de levar a pauta da publicidade infantil aos ouvidos de nossos legisladores da seguinte incoerência:
– A esmagadora maioria dos congressistas se sente – como pais, avós e demais responsáveis por crianças – injustiçada pela publicidade perniciosa para crianças e concorda que trata-se de uma prática que coloca pais em cheque, deixando neles a única responsabilidade de mediar as questões que envolvem infância e mídia. Concordam que é responsabilidade de todo um coletivo regular essas ações. E concordam que publicidade não faz bem para crianças.
– A mesma maioria vê na regulação da publicidade infantil uma ameaça à liberdade de expressão. Como se, com a regulação efetiva da publicidade infantil, os “comunicadores” estivessem cerceados em seus direitos de “comunicarem-se”.
Calma lá, parça! Reveja sua noção de liberdade de expressão. E seus problemas acabaram!
Entre tantos argumentos furados em prol da publicidade infantil, a liberdade dos anunciantes (de expressão, de ir e vir, de dizer o que querem, de usar qualquer recurso para divulgar seus produtos para crianças, seja a liberdade que for) é talvez o mais amplamente divulgado.
Os representantes da indústrias não cansam de repetir que uma investida do governo em prol da regulação da publicidade infantil seria censura. Censura!
Há tantas confusões – por ingenuidade ou má fé – nesse pensamento que tentamos elencar o básico:
> Liberdade de expressão é para pessoas. Corporações não são pessoas.
> Liberdade de expressão é para ideias, pensamentos e informação. Campanhas de marketing direcionadas à crianças não são nem uma coisa, nem outra, nem outra, já que usam da vulnerabilidade infantil para despertar desejo de compra. Afinal quando é que você viu uma campanha de marketing em todas as mídias possíveis informando crianças sobre os benefícios do… brócolis? Do petit suisse eles sabem. É informação ou propaganda?
Valha-nos Deus, a ideia nauseante de que a publicidade infantil é educativa. Por anos, os maiores representantes do mercado vem se valendo do fato de que crianças supostamente aprendem coisas com a publicidade infantil, e que ela é, portanto, um recurso de educação. Está faltando um tanto de discernimento sobre do que se trata a publicidade, e esperávamos que essa sapiência estivesse circulando pelas cabeças de nossos legisladores.
E, por favor, atentem para a aplicação completamente errada (e se valendo do pavor histórico e falta de conhecimento generalizado sobre nosso sistema político, a jovem democracia) da palavra CENSURA! Uma lei, uma regulação, uma baliza normativa não é censura!
É um mecanismo necessário para qualquer governo para colocar ordem na casa, regular práticas, defender grupos vulneráveis e promover progresso ALIADO ao respeito ao patrimônio humano.
No fim das contas essa polêmica segue para uma única conclusão (e vamos tirar essas falácias de liberdade de expressão e censura da frente, sim?): o Brasil enxerga a criança como público alvo e nicho de mercado ou como sujeito de direito com prioridade absoluta?
E você, enxerga como?
Para não esquecer de repetir o mantra: ninguém está dizendo “não anunciem”. Estamos dizendo “não anunciem para crianças”.
(*) Anne é mãe de dois e especialista em nada. Artista plástica por formação, pinta, borda, canta e sapateia. Tudo mais ou menos. Divide sua experiência de mãe e curiosa dos assuntos que cercam a criação de filhos na internet desde que eles nasceram, com abordagem bem humorada e ranheta, como lhe é peculiar. É editora do Mamatraca, um portal de conteúdo materno independente. www.mamatraca.com.br
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