Texto especial para o Milc de Vanessa Anacleto*
ca.ri.nho s.m. – manifestação de desvelo, estima, cuidado
O uso do apelo afetivo da propaganda é comum. Afinal, como vender sem apelar para o emocional do público alvo? Na maioria das vezes sequer pensamos em comprar determinado produto até que a oferta, bem embalada com o celofane mágico da propaganda, nos seja apresentada. É quando ouvimos um clique (na verdade quem acionou o clique foi o publicitário) e pensamos: ah, vou comprar!
O clique do publicitário é muito bem estudado. Pesquisas de mercado e comportamentais elaboradas para diagnosticar nossa psique chegam às conclusões sobre o que mais nos afeta como ser humano que possa ser refletido no comportamento consumidor. E o que será, adivinhem, que mais nos afeta – às mães – que possa ser refletido no comportamento consumidor? Mesmo sem especialização em psicologia de vendas, tenho cá meu palpite.
A mensagem da moda é CARINHO. Para chegar ao coração das mães, a indústria repete a cada cinco minutos a palavra carinho. Carinho de mãe, mais precisamente. As marcas, muitas delas, aparentemente num branco criativo vem usando carinho para vender praticamente tudo que as mães precisam. E do que as mães precisam? Tempo. Inseridas há algumas décadas no mercado de trabalho, as mulheres vivem mais horas que o relógio consegue contar e precisam alimentar os filhos 4 a 5 vezes ao dia.
Convencidas pela indústria de que é impossível espremer seis laranjas pela manhã – imagine perder 10 minutos com isso todos os dias – as mães são instadas a comprar bebida açucarada chamada suco – que de suco só tem o nome – pronto com pouca ou nenhuma fibra alimentar.
Ao dizer, no imperativo, “Dê carinho com nossa marca” a indústria passa a mensagem de que a falta de tempo pode ser compensada com uma caixa de bebida açucarada. E que nesta ação reside todo o sentido do carinho de mãe.
Através da propaganda que vende a ideia de um produto quase artesanal, a bebida industrializada chega até as mesas brasileiras com a etiqueta Suco do Carinho. Como é possível uma ideia estapafúrdia como esta? Coisas da propaganda.
Leite em pó para crianças também é tradução de carinho como alude a propaganda de Ninho fases (na ilustração, para um ano de idade) . Comprando o carinho do leite em pó, você ganha carinho da indústria de cosméticos. Tudo a ver. Mas, espere aí! Crianças de um ano não deveriam estar no aleitamento materno? Propaganda de produto que desestimula a alimentação é carinho ou podemos dar outro nome menos bonitinho?
Papinha de potinho , que desestimula a mastigação também é receita de carinho. Eles tem os melhores ingredientes. Sua feira tá por fora, carinho é com a Nestlé. Trocando a propagada falta de tempo por carinho industrializado.
Não culpamos as mães que optam pelo consumo desses produtos, seja esporádica, seja diariamente. O que bate mal é esta utilização da ideia de eterna culpa materna.: “Você não tem tempo (verdade relativa). Você precisa alimentar seus filhos (verdade absoluta). Alimentamos seu filho igual ou melhor que você (mentira deslavada)”. O carinho é seu, não da marca. São apenas produtos, mas é claro que ficaria meio difícil aparecerem vendendo assim: “ Você não tem tempo. Você precisa alimentar seus filhos. Temos algo industrializado que pode encher as barriguinhas deles apesar de ajudar a criar maus hábitos alimentares, mas é o preço que se paga pela manutenção da vida no atual sistema. Mesmo sem tempo você tem que alimentar seus filhos.
Carinho não reside numa máquina processadora de suco de frutas, não há carinho no processo industrial de secagem de leite comum, não há carinho no processamento de legumes para papinha. São apenas máquinas. O carinho está na sua preocupação com seu filho. Uma marca não pode substituir uma mãe no imaginário coletivo. Carinho de mãe não está à venda.
Definição obtida no verbete do Dicionário Houaiss
Todas as imagens deste post são prints obtidos na internet no dia 8/9/2015
(*) Vanessa é Vanessa Anacleto é mãe do Ernesto, blogueira e autora do livro Culpa de mãe. Por causa disso tudo, ajudou a fundar o Milc e luta por um futuro sem publicidade infantil. É autora do blog materno Mãe é Tudo Igual e membro da Rebrinc.
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