Texto especial para o Milc de Mariana Sá*
Temos muito o que comemorar: são dez anos de um projeto que trouxe a crítica ao consumismo infantil ao Brasil e neste tempo foram muitas as conquistas.
Num país com tantas vulnerabilidades – trabalho infantil, exploração sexual de crianças, violência doméstica, pobreza, fome, falta de acesso à educação infantil, saneamento, lazer, etc – debater consumismo, comunicação e publicidade dirigida à criança até parece dispensável, mas o nosso modelo de vida centrado no consumo atinge todas as crianças, mas é especialmente cruel com as crianças mais pobres.
Além disso, a ideia de que é necessário cuidarmos coletivamente das crianças ainda é incipiente no Brasil.
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Então a primeira conquista é ver a infância e o consumo tema sendo debatido por parcelas cada vez mais amplas da sociedade brasileira.
Temos que comemorar porque, se o Projeto Criança e Consumo não tivesse encampado de maneira tão assertiva a luta por uma regulamentação no Congresso Nacional, não teria havido uma reação do mercado publicitário para alimentar o lobby contrário. E não houvesse esta reação, o Milc não existiria.
Estávamos, nós, mães, quietinhas no parquinho, trocando ideias de como lidar com a publicidade e o consumismo, quando uma iniciativa com a aparência de bacana surgiu para distribuir a responsabilidade com o desenvolvimento saudável das crianças. As mães encararam como uma boa oportunidade poder falar com publicitários sobre suas mazelas e sofrimentos, frutos do trabalho deles, mas esta ilusão durou pouco: era cilada!
O Milc nasceu para fazer oposição à ideia de que todos são responsáveis, mas que as mães mais responsáveis que os outros. Nascemos para dizer que exigimos que cada um tome conta da parte que lhe cabe neste enorme latifúndio que é criar gerações de crianças bombardeadas por apelos abusivos de consumo. Nascemos para criticar os anunciantes e para cobrar do Estado a sua ação preventiva e punitiva.
E não seríamos nada sem o Projeto Criança e Consumo, que não apenas nos fornece dados, informações e pesquisas e faz um importante trabalho de advocacy junto aos deputados, senadores e outras instâncias, como nos apoiou desde o início e viabiliza nosso trabalho.
Nos últimos quatro anos, desde que aportamos na causa, foram muitas as pequenas vitórias: a Resolução 163 do Conanda em 2014, o Enem sobre publicidade infantil em 2014 e, recentemente, a decisão do STJ que puniu um anunciante e abriu um enorme precedente para novas causas judiciais.
Estas pequenas vitórias colocam os anunciantes em alerta e pavimentam o caminho para um novo marco legal que inclua a mídia e o consumo como potenciais agressores da integridade psíquica e física das crianças. Estas pequenas vitórias fornecem uma nova energia para alimentarmos a nossa utopia de crianças respeitadas em seu estágio peculiar e único de desenvolvimento, livres de publicidade e de consumismo, tratadas como cidadãs e não como público-alvo.
Vida longa ao Projeto Criança e Consumo!
(*) Mariana Sá é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.
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