destaque_home / escola / 23 de junho de 2016

Refrigerantes fora da escola, bom para quem?

Texto especial para o Milc de Mariana Sá com a colaboração de Claudia Visoni, Debora Regina Magalhães Diniz e Vanessa Anacleto*

Ontem comemoramos um pouquinho a notícia de que três gigantes nacionais anunciaram que não vão mais vender refrigerantes e algumas outras bebidas açucaradas para as escola. Sempre vimos a escola como um dos poucos território acessados pela criança em que estão livres da autoridade materna, a escola é (ou deveria ser) um local seguro onde os valores e culturas familiares podem ser questionados, onde a mediação materna/paterna não se viabiliza. Por isso sempre dissemos que a alimentação na escola precisa ser exemplar, tão boa quando em casa.

Se uma criança, estando em casa não toma o refrigerante porque faz mal para a saúde, mas na escola o encontra, emitimos uma mensagem dúbia para a criança: faz mal e vende na escola? Será que meus pais estão errados? E, assim, livre do olhar dos pais, pode até fazer uma  escolha não aprovada ou permitida, até como uma maneira de transgredir. Então, à primeira vista, deveríamos estar em êxtase com este anúncio, mas não é o caso. Não comemoramos muito porque sabemos muito bem que este tipo de anúncio é melhor para quem anuncia do que para quem supostamente seria beneficiado. Vejamos:

Geração de Mídia Espontânea: não precisa ser nenhum especialista em assessoria de comunicação para saber que a quantidade de informação sobre os prejuízos causados pelos refrigerantes e a disseminação das verdades sobre os ‘sucos não integrais’ fizeram um grande estrago na imagem destas empresas, então um anúncio destes tem potencial para fazer um bem danado para as marcas envolvidas sem nem fazer cócegas na realidade e no montante de vendas.

Não são os únicos players: por maiores que sejam, a Coca Cola, a Pepsi e a Ambev não detém todo o mercado de bebidas açucaradas, de modo que os refrigerantes, sucos artificiais, bebidas a base de chá mate, lácteos açucarados continuarão a ser oferecidos nas cantinas

Não são todas as cantinas: a nota diz “A partir de agosto, a Coca-Cola Brasil, a Ambev e a PepsiCo Brasil vão ajustar o portfólio de bebidas vendidas diretamente às cantinas de escolas no país.” Ou seja, as cantinas afetadas pela medida são apenas aquelas que compram diretamente das empresas envolvidas. Para as demais: “haverá uma ação de sensibilização desses comerciantes por meio da qual todos serão convidados a se unir à iniciativa”, o que para nós significa que as outras cantinas continuarão território livre.

Manutenção da lucratividade: eles não param de vender nem para as escolas afetadas pelo acordo, só mudam a composição do mix de produtos.

Promessa não é dívida: o que as empresas dizem/decidem/acordam não é lei. Em 2013, por exemplo, a Coca Cola disse que ia parar de anunciar para as crianças abaixo de 12 anos, podem até ter saído dos intervalos dos desenhos animados e das páginas de anúncio das revistinhas, mas continuam usando o seu mascote natalino, organizando eventos com a presença massiva da marca e do seu carro chefe com foco principal em crianças pequenas..

Precaução contra regulamentação: com o acordo “em funcionamento” as empresas dão a impressão para os políticos e gestores de que está tudo sob controle e, assim, evitam legislações e vedações feitas pelo Estado (união, estados e municípios), o que acarretaria realmente uma queda nas vendas e processos e multas em caso de inobservância.

Mudar para ficar tudo igual: a nota diz venderá para as cantinas “água mineral, suco com 100% de fruta, água de coco e bebidas lácteas que atendam a critérios nutricionais específicos”. Parece bom, mas, ora, veja só: o único que se salva na lista são os sucos integrais e mesmo assim com ressalva, a gente já sabe que suco não é um produto fundamental para a saúde e suco engarrafado gera lixo. A água não se salva: num local cheio de bebedouros vender água é bom apenas para quem vende, água engafarrada é boa apenas para gerar lixo. A menos que eles levem o coco verde fresquinho para as cantinas, o produto em caixa ou garrafa tem aditivos, não é saboroso e também gera lixo. As bebidas lácteas mereciam um capítulo a parte, porque são ruins (feitas ingredientes de má qualidade e açúcar, açúcar, açúcar). O certo mesmo era dar uma caneca para cada aluno e estimularem a hidratação com água do bebedouro.

Mesmo com todas estas limitações, temos o que comemorar:

Força das ruas e redes: a pressão feita por movimentos sociais, a disseminação de boa informação sobre os prejuízos para a saúde e a queda nas vendas fizeram as empresas rebolarem.

Como elas dançam outros dançam: a Coca Cola, a Pepsi e Ambev somados detêm a maior parte do mercado de bebidas açucaradas a são os maiores players nacionais (ou mundias) e como líderes acabam por incentivar que outras empresas as siga.

Sempre estivemos certas: para nós, do Movimento Infância Livre de Consumismo, a maior vitória deste assunto é que estas três gigantes reconhecem que as crianças são cidadãos hipervulneráveis, que precisam de proteção especial e que seus interesses devem estar acima do interesse comercial, quando dizem em sua nota “crianças abaixo de 12 anos ainda não têm maturidade suficiente para tomar decisões de consumo”. Eles admitem que não podem interpelar a criança sem a presença (e mediação) dos pais e colocam a escola no lugar que sempre desejamos quando se fala de cantina, no lugar de parceiro, de também responsável: No momento do recreio, os alunos têm acesso às cantinas escolares sem a orientação e a companhia de pais e responsáveis(…). Coca-Cola Brasil, Ambev e PepsiCo Brasil entendem que devem auxiliar os pais ou responsáveis a moldar um ambiente em escolas que facilite escolhas mais adequadas para crianças em idade escolar, assim como estimular a hidratação e a nutrição, contribuindo para uma alimentação mais equilibrada.

Bom mesmo seria que essa turma das bebidas açucaradas e engarrafadas caísse fora das escolas de vez.

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Atualização da editora em 4 de Julho de 2016:
Acompanhe a novela
Dizem que deixaram as crianças e apontaram a mira para os adolescentes ~ Refrigerantes fora da escola? Não é simples assim.
Daqui a pouco vão tentar culpar o professor ~ Marca de bebida açucarada na escola. De quem é a culpa?
Regrigerante faz mal para crianças, adolescentes e adultos ~ Sempre bebi refri e não morri, a lenda 

(*) Claudia é paulistana, jornalista, ambientalista, mãe, microagricultora, jogadora de basquete, cozinheira e jardineira familiar. Publica o blog www.conectar.com.br/blog.

Debora é mãe de três, cofundadora do Milc, cursou Letras e Semiótica. É doula e educadora perinatal há 12 anos. Atualmente vive no Vale do Paraíba e é uma das coordenadoras da Roda Bebedubem. É ativista e implicante com a sociedade atual desde sempre. Co-fundadora do Milc e membro da Rebrinc.

Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.

Vanessa é mãe do Ernesto, blogueira e autora do livro Culpa de mãe. Por causa disso tudo, ajudou a fundar o Milc e luta por um futuro sem publicidade infantil. É autora do blog materno Mãe é Tudo Igual e membro da Rebrinc.


Tags:  #comidanaescola #refrinaescola acordo bebidas bebidas açucaradas comida na escola proteção à infância proteção às crianças

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Movimento Infância Livre de Consumismo




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