Texto especial para o Milc de Vanessa Anacleto*
Para nós não é novidade. Ao longo dos últimos anos (quase seis) temos ouvido que queremos manter as crianças numa bolha. Afinal, concluem os apontadores de dedos, “é impossível impedir” que as crianças fiquem expostas a toda sorte de abusos do mercado. Bem, é verdade . E também não é.
No último debate em que estivemos envolvidas, ao denunciarmos o fenômeno unpacking (ou unboxing e que consiste em vídeos de crianças desempacotando embrulhos de brinquedos e outros produtos para o público infantil), recebemos alguns comentários sobre crianças vivendo numa bolha e a importância de oferecermos ferramentas para que os pequenos possam questionar esse tipo de prática. Um discurso até bonito. Só tem um problema e vamos explicar.
O problema é que crianças são aqueles seres humanos pequenos e fofos de idade VARIÁVEL entre 0 a 12 anos. Essa variação altera bastante a percepção das crianças em relação a um vídeo de uma outra criança dando pulos e gritinhos ao abrir um pacote. Como oferecer ferramentas para um pequeno de 4 ou 5 anos, ao assistir a um vídeo de unboxing, ser capaz de questionar esse tipo de prática? Com os meninos e meninas de 10 a 12 anos é diferente. Mas, crianças não nascem com 10 ou 12 anos.
Será mesmo que proteger uma criança de conteúdo que reduz (e distorce) os valores humanos à importância de ter coisas, muitas coisas embrulhadas em papel colorido, é colocar as crianças em uma bolha? O que é viver numa bolha? É estar protegido ou alheio à realidade? E, pergunta de um milhão de dólares, no que consiste afinal a realidade? Será que o real é a necessidade imperiosa de comprar e ter tudo e muito mais ou é apenas o desejo das empresas que precisam vender tudo e muito mais? E quem vive imerso no desejo de compra vive a vida real e está mais preparado ou está na bolha da ilusão do consumo?
Do jeito que as coisas estão parece que só nos resta escolher a melhor bolha para colocar as crianças. Precisamos escolher entre a bolha da proteção e a bolha do consumismo. Quando dizem que não podemos proibir crianças de assistir a vídeos impróprios na internet é como se fosse dada uma chave de uma porta de entrada em um mundo adulto para quem ainda não é capaz de lidar com ele. Na internet existe todo o tipo de conteúdo construtivo e destrutivo. Dizer que não podemos evitar a exposição é mesmo razoável? Deixar a criança exposta e sentenciar: “você não pode ter isso, tudo o que pode fazer é assistir aos vídeos”, é mesmo tudo o que temos a fazer?
Reivindicamos nossa bolha! As crianças podem tantas coisas maravilhosas em suas brincadeiras que subutilizar o tempo precioso da infância diante de vídeos de abrir embrulhos nos parece um desperdício de energia muito grande. Desperdício de sonhos também. Escolhemos nossa bolha. Escolha você a sua.
*Vanessa Anacleto é co-fundadora do Milc.
** Imagem site Medical Daily
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