Texto especial para o Milc de Mariana Sá*
Quando li este clássico pela primeira vez em pé numa livraria fui às lágrimas. Não lembro o que pensei, mas lembro do impacto que senti me identificando com a solidão da árvore. Há poucas semanas, li pela segunda vez junto com o meu filho caçula que ganhou um exemplar no seu aniversário escolhida por uma amiga de 11 anos. Ele se emocionou ao ponto de não querer prosseguir na leitura a partir de uma certa página já prevendo o que iria acontecer: ele não queria ver.
Seguimos. Mas só depois dele me fazer ler o restante em voz baixa e me garantir que teria um final feliz. Eu disse que para mim o final era feliz, mas que ele poderia chegar a outra conclusão. Só ele lendo para ver. Eu disse que valia à pena ele saber o resto da história porque não tem nada errado a gente se sentir assim mobilizado pelas ofertas da árvore e pelos aceites do menino. Pensei que era bom ele sentir empatia e até repulsa, além de poder pensar nas virtudes da generosidade, da abnegação, e nos sentimentos de solidão e tristeza da árvore. Que era bom pensar no amor, nesse tipo de amor da árvore. E no que fez o menino pensar como pensou e agir como agiu. Seguimos, lendo, chorando e fungando.
Há tanto do que falar sobre o que pensei ao leu esse livro, de como cheguei a identificar esse amor da árvore como o materno ou o sentimento presente em algumas relações abusivas – afinal é amor e generosidade se dar ao ponto de deixar e existir? A mensagem desse livro, pela sua força, faz gancho para muitas conversas: para falar do ponto de vista da árvore, do menino e da relação entre eles.
Entre todas as possibilidades de reflexâo que esse livro traz, decidi trazer para cá – para a lista de recomendações de leitura do Movimento Infância Livre de Consumismo – a reflexão sobre “necessidades”. Afinal, do que estamos sendo capazes de abrir mão para satisfazer certas “necessidades”? O que estamos sendo capazes de consumir para poder consumir?
E trago esta página que mobilizou não mais a mãe, mas a ativista que questiona valores dessa sociedade de consumo em que estamos imersos:
Em nome de obter poder de consumo para manter nosso modo de vida estamos abrindo mão de muita coisa importante: do nosso tempo, da nossa infância, da nossa ingenuidade, da nossa capacidade de contemplação, do convívio com quem amamos, da possibilidade de nos contentar com coisas simples etc. Abrimos mão daquilo que realmente necessitamos e, sem querer, corremos o risco de estar impondo essa inversão também às crianças.
Crescemos e não conseguimos simplesmente balançar, sorrir e comer maçãs, exaustos, à sombra da árvore: isso é pouco. E seguimos consumindo a árvore. Ensinando nossas crianças a consumirem a árvore. E consumimos as árvores ao ponto de não serem mais árvores.
Leiam com as crianças e sintam. Permitam que sintam. Acolham a emoção, ela é um bom sinal em nós e nas crianças. Sintam A Árvore Generosa escrita e ilustrada por Shel Silverstein em 1964 e traduzida para o português por Fernando Sabino. Pesquise também outros livros do autor como A Parte que Falta, que esteve entre os mais vendidos depois de ser lido por Julio Tolezando em seu canal do YouTube. Em seus escritos, com delicadeza Shel nos convida a sentir, mesmo que nos faça pensar também: no fundo, como disse Chaplin, a gente tem pensado demais e sentido muito pouco.
Para cego ler: Nas imagens, páginas do livro com os textos a seguir
Imagem 1
O menino ficou longe por um longo, longo tempo, e no dia que voltou, a Árvore ficou alegre, de uma alegria tamanha que mal podia falar.
“Venha, venha, meu Menino”, sussurrou, “venha brincar!”
“Estou velho para brincar”, disse o menino, “e estou também muito triste.”
“Eu quero um barco ligeiro que me leve pra bem longe. Você tem algum barquinho que possa me oferecer?”
“Corte meu tronco e faça seu barco”, a Árvore disse. “Viaje pra longe e seja feliz!”
Imagem 2
Mas o tempo passou e o menino cresceu!
Um dia, o menino veio e a Árvore disse:
“Menino, venha subir no meu tronco, balançar-se nos meus galhos, repousar à minha sombra e ser feliz!”
“Estou grande demais para pra brincar”, o menino respondeu. “Quero comprar muitas coisas. Você tem algum dinheiro que possa me oferecer?”
“Sinto muito”, disse a Árvore, “eu não tenho dinheiro. Mas leve os frutos, Menino. Vá vendê-los na cidade, então terá o dinheiro e você será feliz!”
(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestra em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Como mãe faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e, como profissional das políticas públicas, acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.
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