Texto especial para o Milc de Rafael Ladenthin*
Aqui em casa abraçamos o movimento para fazer um dia das crianças diferente, menos consumista. Antes de qualquer coisa, gostaríamos de agradecer a equipe e colaboradores do Infância Livre de Consumismo, que dá um belo exemplo de como utilizar os meios de comunicação, principalmente o Facebook, como mecanismos capazes de gerar insights, incômodos produtivos e despertares para questões que nos passam desapercebidas, inconscientes, mas que influenciam nossa vida de forma negativa.
A maneira como criamos nossos filhos depende muito do estilo de vida que cada família opta por desenvolver. Nós por aqui optamos por colocar nossos filhos em contato com o mundo através de todos os meios de comunicação disponíveis. Vivemos no interior, mas temos televisão, internet, frequentamos shoppings, cinemas etc. Eu e minha mulher somos vegetarianos, mas permitimos aos nossos filhos optarem por comer ou não carne. Não fazemos proselitismo de nada, salvo nosso enorme esforço em priorizar uma alimentação mais saudável. Eu mesmo estive e ainda estou em um processo de desintoxicação de refrigerantes, que consumi desde criança em grandes quantidades, para poder exercer algum tipo de exemplo a respeito do assunto. Acreditamos que o desafio nesta sociedade em que vivemos não está em afastar ou proibir o contato com o que julgamos errado, mas saber lidar com toda a diversidade que o mundo oferece. Estar em contato com tudo aprendendo a discernir, sabendo escolher, tendo a experiência genuína com o que faz crescer e o que faz alienar. Nós não queremos proteger nossos filhos do mundo. Queremos que eles saibam viver no mundo. Que saibam dançar nesse caos de informações e serem agentes da transformação. Que sejam donos de si mesmos.
Para tanto, ser criativo é necessário. Saber direcionar, dar exemplo de muitas formas. Também saber disciplinar. Ensinar para criança como refrear o ego condicionado, como dizer não. Fazê-la entender que nem todo desejo é bom, assim como nem todo desejo é mesmo algo verdadeiramente dela, mas fruto de sugestões do ambiente. Não é simples e todo pai e mãe de família sabem disso. Realizar um dia das crianças com menos consumo foi uma boa experiência para pensar nessas questões.
Temos 3 “crianças” aqui em casa – mais precisamente um bebê, uma menina de 5 anos e um menino de 15 – o que configura uma situação interessante, pois temos 3 fases da infância completamente distintas! Optamos por não dar tanta ênfase ao dia das crianças e fomos conversando sobre o que fazer no dia. A televisão, no entanto, fez a vez. Para abreviar, vou pontuar o mais relevante:
– Durante a semana das crianças, o aumento de propagandas, mesmo nos canais infantis pagos, foi enorme. Um bombardeio desmedido e de péssima qualidade.
– Nenhum dos canais infantis procurou dar outros significados ao dia das crianças. Apenas fizeram programações especiais para que as crianças passassem mais tempo na TV. Não vi nenhuma menção ou campanha para incentivar as crianças a realizarem outros tipos de atividades além de assistir TV.
– Uma propaganda, amplamente divulgada no canal Gloob, sobre bonecas intituladas “Divas Tattoo”, trouxe informações abusivas para o público infantil. Ao anunciar as bonecas, cuja novidade são as tatuagens que elas usam, se referiam as suas personalidades com algumas características específicas. Eu só me recordo de duas: rebelde e sedutora. Eu não sei que tipo de marqueteiro ignorante é capaz de criar uma aberração dessas, mas acho que é pior ainda uma equipe de um canal infantil deixar simplesmente ser divulgada uma informação dessas para seu público alvo, que são crianças. Tentei contato com a empresa fabricante e com o Gloob, mas não obtive resposta. Se alguém quiser tentar, acho que mais gente reclamando talvez dê algum resultado.
– Minha filha mede bem o tempo que assiste televisão, mas a quantidade de propaganda divulgada nesses canais pagos acaba por tirar o foco da programação comum (que tem, sim, coisas interessantes), dando ênfase no consumo de brinquedos pouco educativos, dificultando o nosso trabalho quando queremos focar o dia das crianças em situações mais essenciais.
Diante desse quadro, fomos desviando o foco e não prometemos nenhum tipo de brinquedo. Reverenciamos o dia das crianças de outra forma, e mesmo com o bombardeio da televisão e de outras crianças da escola que só falavam dos brinquedos que iriam ganhar, deu muito certo. Tivemos um dia agradável com as crianças. Minha filha não pediu presentes, nem questionou. No fim do dia resolvi procurar alguma lembrança, um presente mais simples que pudesse simbolizar uma intenção mais verdadeira no presentear. Fui então ao shopping aqui da minha cidade, mais precisamente em uma loja de brinquedos. Vou também pontuar alguns fatos dessa experiência:
– O shopping estava lotado de crianças. Morei 27 anos da minha vida em São Paulo onde passear no shopping é para muitas famílias o item número 1 entre as opções para o fim de semana, mas aqui no interior achei um tanto estranho as crianças passarem o dia no shopping, com tantas opções de graça ou bem baratas para que elas possam ser mais… crianças.
– Na loja de brinquedos, no pouco tempo em que estive lá, vi três famílias aos berros com suas crianças por conta da sede de consumo. Bem desagradável. Eu resolvi ir sozinho, minha mulher ficou com as crianças em casa, brincando de outras coisas.
– Eu tinha a ideia de comprar algo barato e que fosse interessante para a imaginação dos pequenos e alguma lembrança simbólica para o meu filho adolescente, que já não se considera criança nem brinca mais com brinquedos de criança. Para minha filha de 5, pensei em potinhos de massinha. Não encontrei os potinhos separados e a vendedora da loja me indicou as opções dos brinquedos com massinha. Tinha massinhas “fashion” para imitar maquiagens, para fazer churrasco e outras coisas piores ainda. Tudo muito caro, de péssima qualidade, de péssimo gosto, de péssimo valor educativo.
– Escondido no limbo da loja, encontrei um potinho de peças semelhantes ao Lego, sem temática, muito bem apresentado, de bom material. Apenas 20 reais. Para meu filho adolescente, achei um bonequinho zumbi com temática cômica. Só como lembrança, também barato. Para o neném, um pequeno bichinho. Gastei pouco e cheguei em casa com brinquedos que não eram esperados e foram recebidos com muita alegria. Minha filha de cinco brincou com as pecinhas que comprei o resto do dia, inventando, imaginando, criando, montando, desmontando, feliz da vida.
Presentear é muito gostoso e faz parte dar presentes também em datas importantes. O que necessitamos repensar é que os presentes nessas datas têm a função simbólica de reverência. Não é o foco e pode estar carregado de significados. Não precisa ser caro, e para as crianças pode ser extremamente educativo, valorizando o que realmente importa no desenvolvimento dos pequenos: a imaginação, a livre expressão, o brincar junto, o estar junto e o genuíno agradecimento.
O foco do mercado, no entanto, é o consumo, a obrigação do presente, o valor aliado a temáticas fúteis e muito distantes do universo infantil. Vale, e muito, despertamos para estas questões, pois o exemplo que damos vale como aprendizado por gerações, e o significado e sentido dessas datas só dependem de nossas atitudes para serem resgatados, transformados ou mesmo criados.
Vamos pensar juntos, agir juntos…
Agradeço pela atenção.
(*) Rafael é psicólogo e pai de três. Escreve em seu blog sobre temas também relacionados à infância, ao desenvolvimento do ser humano, psicologia, escolas etc.
v
Tags: consumismo infantil Dia das Crianças Dia das Crianças sem consumismo