Texto de Vanessa Anacleto*
Quando eu ainda era criança o tempo custava a passar. Arrastava-se, de brincadeira em brincadeira e o dia sonhado – aquele em que eu seria de todo grande – demorava a chegar. Quando finalmente o dia chegou e irremediavelmente grande eu fiquei, passei a sonhar ser criança outra vez, como fazem a maioria dos adultos ajuizados. É que aquele arrastado, demorado e custoso do tempo passar transformou-se em uma corrida maluca constante que só quebra em duas circunstâncias: quando há prazer no que faço – e aí vira uma corrida supersônica – e quando o tédio se instala – e aí o tempo congela até o enfado acabar.
Ainda que eu tenha certeza de que o tempo é um só para todos, custa acreditar que seja meu tempo de agora o mesmo daquele da infância. Sempre me parece que possa existir um jeito melhor de passar o tempo ou deixar o tempo passar de modo que ele possa render- e me render – alguma coisa como só as crianças sabem fazer.
Quando eu ainda era criança, minha memória me avisa sem saudosismo, aquele tempo era o tempo bom. Foi a época em que eu pude aproveitar melhor ele passar, sem distrações ou ocupações sem sentido. Era só brincar, ser criança e pronto. Parece pouco pra quem é adulto e esqueceu o quanto dá trabalho. Criança precisa do seu tempo. Quem não tem tempo para ser criança perde um pedaço importante de si. O pedaço mais importante, que o impede, na hora certa, de ser adulto por inteiro. É o tempo da infância, aquele que custa, demora, se arrasta a passar, que inventa o ser capaz de vencer o tempo corrido que o aguarda no futuro desejado, o dia de virar gente grande. Quem não tem tempo de ser criança não tem tempo de errar, de se machucar, um colinho procurar, observar, imitar, se indignar, rir e chorar.
Não sei se penso assim por ter crescido devagar ou se por não ter terminado de crescer, mas se for assim, quando eu terminar de crescer quero voltar a ser criança e esquecer que existe tempo para melhor podê-lo aproveitar e então voltar a brincar, sem tempo marcado, exceto a hora do jantar. Quando eu voltar a ser criança não quero ser interrompida, quero viver o presente e sem fazer dele o futuro como querem os adultos que só conseguem ver o tempo correr sem ao menos tentar pegar. Pique um, dois, três. Peguei o tempo outra vez!
(*) Vanessa é mãe do Ernesto, escreve no blog Mãe é tudo igual e dedica este texto a todas as crianças com coisas demais para fazer, exceto brincar…
Nota da editora: recomendamos que assistam ao documentário Tarja Branca, uma revolução que faltava. Acompanhe a programação nos cinemas.
Tags: brincar infância proteção à infância