No dia 3 de julho de 2012, Tais Vinha representou o Movimento Infância Livre de Consumismo (MILC) em Brasília, no debate sobre o Projeto de Lei 5.921, de 2001, que proíbe a publicidade e a propaganda para venda de produtos infantis. Leia abaixo a transcrição dessa apresentação. Para baixar a transcrição completa com todas as apresentações, clique aqui (documento em Word).
Este projeto tramita há 11 anos e é a primeira vez que um grupo de pais está sendo ouvido. Sou uma das temperamentais ou outras coisas a que o Synésio, da ABRINQ, fez referência: eu sou a mãe. Então, eu gostaria de agradecer o convite e saudar todos, na pessoa do Deputado Salvador Zimbaldi.
O nosso movimento chama-se Infância Livre de Consumismo, um movimento de pais e mães que atua nas redes sociais. Já atuamos de forma independente há alguns anos e de forma organizada neste semestre.
O motivo principal de termos nos reunido foi ter percebido o movimento na rede, colocado pela ABAP, que defendia a autorregulamentação e colocava nos pais total responsabilidade pelo problema do consumismo infantil. Eles reconhecem que o problema existe, mas transferiam para nós a responsabilidade para lidar com ele.
Nosso grupo é composto por pais de todos os tipos: advogados, médicos, psicólogos, publicitários. Eu sou publicitária. Já contamos com o apoio de vários pesquisadores da UNICAMP, da UnB, da Universidade Federal do Espírito Santo e da USP. Nós nos posicionamos de forma muito determinada. O grupo de pais não aceita, de forma alguma, que a responsabilidade seja inteiramente atribuída a nós. Também de forma alguma nós nos isentamos da responsabilidade. Somos pais que atuamos, há anos, em defesa da paternidade e da maternidade conscientes. Temos um papel muito grande na formação das crianças, e não estamos sozinhos nessa luta. Aliás, um artigo na Constituição, aqui citado várias vezes, diz que família, sociedade e Estado são responsáveis pelo bem-estar das crianças.
Em 3 meses — esse é um levantamento dos últimos 3 meses, exatamente o que o facebook nos fornece —, conseguimos 5 mil curtidores, 64 mil pessoas alcançadas; os nossos virais, em média, atingiram 70 mil pessoas. Houve ações isoladas de viral que atingiram mais de 200 mil pessoas.
Eu cito esses números não para nos vangloriar, mas, sim, para mostrar que esse assunto está presente na sociedade. Existe uma demanda das pessoas em discuti-lo e há interesse dos pais que participam em querer informações, em querer opinar sobre o tema.
Nossos objetivos (o movimento está amadurecendo ainda) são promover um debate verdadeiramente democrático sobre o assunto — qualquer pessoa pode entrar, participar e dar opinião, todas as opiniões são acolhidas; disseminar informações sobre publicidade infantil e consumismo infantil; levar essa reflexão para dentro das famílias; promover a troca de experiências entre os pais; e criar novas referências de paternidade e maternidade.
Por que criar novas referências? Porque nos debates e em outros eventos referentes à paternidade ouve-se dizer: “No meu tempo, eu fui criado desse jeito e deu tudo certo”. E hoje nós lidamos com assuntos com que os pais de uma, duas gerações que nos antecederam não lidaram. São assuntos inéditos na história humana que estão surgindo com a evolução das coisas. Obesidade infantil é um assunto novo com o qual os pais estão tendo de lidar no dia a dia; doenças metabólicas infantis, pressão alta, diabetes, sexualidade precoce, consciência corporal exacerbada — vemos crianças ainda pequenas com vergonha de tirar a camiseta para ir à piscina, meninas que só entram na escola se estiverem maquiadas —, alcoolismo em adolescentes (um problema enorme), sedentarismo infantil (é um fato hoje em dia), crianças confinadas dentro de casa. Nossos filhos não brincam mais na rua. Muitos não têm praça, não têm parque para brincar. Ficam dentro de casa o tempo todo. Há uma distorção gritante de valores entre o ter e o ser.
Além de termos que lidar com todos esses fatores na criação das crianças, temos de criar a primeira geração de seres humanos verdadeiramente comprometidos com o meio ambiente. E isso é impossível de ser feito sem a consciência para o consumo. Uma coisa está totalmente atrelada à outra.
Infelizmente, como publicitária — acho que a ESPM vai cassar o meu diploma (risos) —, penso que a publicidade infantil não colabora em nada com nenhum daqueles tópicos que eu citei. Pelo contrário, o que sentimos é que isso está entrando em nossas casas para agravar as questões com que temos de lidar.
Também a nossa é diferente das outras gerações. Somos a geração dos pais superassediados. Nossos filhos são assediados de uma forma que os pais das gerações anteriores não tiveram de lidar. O mercado vai para cima deles com bombardeios do momento em que nascem até a vida adulta. Do momento em que e acordam até a hora em que vão dormir, as crianças estão sendo expostas a mensagens para o consumo.
A consequência disso é que grande parte da nossa energia, do nosso esforço educacional está sendo canalizado para lidarmos com questões que entram na nossa vida via publicidade. Poderíamos estar tratando de outras coisas, mas estamos sempre tendo de lidar com esses assuntos que a criança traz para casa, estimulada pela publicidade.
Nossos valores — essa é uma coisa que muitos pais manifestam — muitas vezes competem de modo injusto e desigual com os valores do mercado, porque os valores do mercado são colocados para as crianças e para os pais de forma muito sedutora. O publicitário é um profissional da arte da persuasão. A propaganda vem mediante uma mensagem bonita, com música e isso convence as crianças. É difícil competir com esses valores, porque os nossos valores, às vezes, são duros para a criança receber no processo de criação. O pai, às vezes, tem que lidar com situações em que ele tem de ser o mau da história.
Mas isso quer dizer criar os filhos numa redoma? Esse é o argumento número 1: não se pode criar as crianças numa redoma. Muito pelo contrário. Nós, os pais, temos que tirar os nossos filhos de uma redoma, uma redoma que tem abafado as crianças, com mensagens, com apelos consumistas cada vez mais frequentes. Queremos que as crianças tenham pelo menos alguns momentos do dia para elas próprias, em que elas estejam despreocupadas com o que vão ter, com o que vão comprar, com o que vão usar. Queremos que eles sejam crianças e não superconsumidoras de informação.
As crianças hoje — há estudos que assim indicam — estão respondendo com uma parcela muito grande da decisão do consumo das famílias. Há estimativas que em breve elas vão chegar a 80% das decisões. Cada vez mais elas viram alvos da publicidade. Agora, uma coisa que achamos curiosa: a publicidade de produtos de adultos também já está usando a linguagem infantil. Como o mercado é cada vez mais competitivo, como está cada vez mais difícil falar com o adulto, eles vão lá e cochicham no ouvido da criança: “Pede para o seu pai comprar tal coisa”. Em consequência, já vemos limpador multiuso sendo vendido para crianças. Super-heróis dialogam com crianças na cozinha. O último comercial da Vivo, de telefonia celular, tem um apelo totalmente infantil, inclusive tem uma personagenzinha muito parecida com a Buda, do Monstros S.A, da Disney. Há também palha de aço com ídolo infantil.
É unanimidade em nosso grupo, que é muito democrático, há pais com várias opiniões sobre o tema: o atual modelo de autorregulamentação não funciona. Por que não funciona? Um dos motivos mais gritantes é porque quando um anúncio é abusivo, os primeiros a verem não são os conselheiros do Conar, mas os nossos filhos. O Conar age de forma reativa: só se e quando há denúncia. No universo de coisas que vão para o ar, contar com a denúncia sempre é uma ilusão. Muita coisa vai inadequadamente para a criança, e o Conar não julga.
Outra coisa. Nossa experiência com o Conar, nos últimos tempos, tem sido muito negativa. Eu trouxe dois casos a que vou me referir rapidamente, porque o meu tempo já está se esgotando: a Telessena de Páscoa é um produto regulamentado pela SUSEP para maiores de 16 anos. Ela foi vendida por uma banda infanto-juvenil que distribuía figurinhas, viagem para Orlando e com veiculação maciça na programação infantil. Entramos com uma denúncia no Conar— a Telessena de Páscoa foi veiculada em março e abril. O Conar acatou a nossa denúncia e mandou sustar a propaganda em junho, quando a Liderança Capitalização já estava com duas outras Telessenas sendo vendidas, a do Dia das Mães e a de São João. Então foi inócua a atuação do Conar. A Liderança Capitalização conseguiu atingir todas as crianças que estavam no plano de mídia dela impunemente.
O outro caso foi com o ovo de páscoa da Skol. Uma das mães entrou com a denúncia; o Conar a acatou e mandou uma advertência para a Skol, dizendo que não se pode misturar promoção de bebida alcoólica com produto de forte apelo infantil. Essa advertência foi enviada em junho e o produto foi promovido em março e abril. Também não serviu para muita coisa.
Então, nossa conclusão é que a autorregulamentação não serve para proteger os nossos filhos.
Para finalizar, gostaria de trazer um argumento muito ouvido, utilizado por pessoas que se acham no direito de falar por nós: não cabe ao Estado, em detrimento dos pais, dizer o que é bom. Porém, nós permitimos, diariamente, que a publicidade diga aos nossos filhos o que é bom, em detrimento dos pais. Onde está o erro aqui?
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