outros / 27 de maio de 2013

Apologia ao consumo: uma aula em três minutos

Texto de Gabriel Gausmann*

Sentado no sofá da sala, zapeando entre canais infantis na companhia da esposa e do filho, deparei-me com uma inserção produzida pela Warner Bros. e veiculada pelo Cartoon Network, trazendo meus “velhos conhecidos” Gaguinho e Patolino, personagens esses que fazem parte também da minha história, o que me fez pensar que seria uma boa opção de programa. O que acabei vendo naqueles menos de três minutos foi a prática de toda a teoria que lemos e vemos sobre a forma como as empresas tentam “conquistar” – o termo correto aqui seria “converter”, assim como uma religião – as crianças. A melhor aula que tive, até hoje, sobre o espírito de consumismo e do capitalismo selvagem. Explico.

O título desta animação em português é “Barato”, felizmente menos degradante que o original “Chintzy”, gíria inglesa equivalente a “vagabundo” (em termos de preço e qualidade). O resumo história se dá com o personagem Gaguinho entregando uma foto antiga com o aniversariante Patolino; este fica “agradecido” com o presente, mas resolve explicar, para evitar humilhações futuras, que aquele presente era muito barato. Vagabundo mesmo, com o perdão da expressão. E uma animada música dá o tom da lista de presentes que se deve dar a um aniversariante, na visão dos produtores da obra. Resumo da ópera: o aniversariante queima a foto – na frente do outro personagem – e avisa, na última cena, que este ainda lhe deve um presente de aniversário. O link desta magnífica lição encontra-se aqui.

Patolino_Gaguinho

Acredito que podemos extrair aspectos positivos de todas as coisas, mesmo quando estas não nos saltam aos olhos no primeiro momento. Como disse anteriormente, é uma aula, é uma obra fabricada exatamente pela cartilha do que é a propaganda (termo inglês): ignorar o intelecto e apelar diretamente para a emoção, motivando um grupo a tomar uma forma de ação. Não temos esta definição no português, chamando de “propaganda” tanto o advertisement quanto o termo homônimo inglês.

Teorias à parte, a primeira vez que vi esta animação lembro-me de ter perguntado à minha esposa: “Tu viu (sic) isso?”. Perguntei-me “Por onde anda o CONAR nessas horas?”. Foi quando caiu a ficha de que não era um comercial. Ou seja, um golpe de mestre: a animação não quer vender um produto, mas uma ideia. Uma filosofia. Uma usurpação de valores. Se for feito à mão, se for feito com carinho, não é bom. Não interessa o que é: se for caro, compre.

Vou ressaltar o óbvio: o quanto é difícil é para nós, educadores – profissionais ou não –, competir com esse tipo de massificação que ocorre desde os anos iniciais. Mas a informação de pais para pais, acrescida da força da mídia alternativa, nos dá meios para divulgar a que tipo de distorção nossos filhos estão sendo expostos e ajudar (ainda mais) pais e mães Brasil afora a tomarem cada vez mais consciência de que a televisão não pode, nem deve, se tornar a melhor amiga de seus filhos. Ou seguir o conselho dado pela própria animação: manter uma maleta de dinheiro sempre à mão.

*Gabriel é pai de um menino de três anos e é gerente em Santa Maria, RS.


Tags:  consumismo Gaguinho Patolino valor monetário valor sentimental

Bookmark and Share




Previous Post
O verdadeiro valor de um presente para o maior presente de minha vida
Next Post
Doces e mais doces



Mariana Sá




You might also like






More Story
O verdadeiro valor de um presente para o maior presente de minha vida
Texto de Amanda Hipólito Calvoso* Perto de chegar o primeiro aniversário de Inaiá, decidi que a ela, que é o maior presente...