Texto e imagens de Desirée Ruas*
Mais uma vez Belo Horizonte participou da grande mobilização nacional promovida pelo Instituto Alana por um Dia das Crianças diferente. A II Feira de Troca e Doação de Brinquedos de BH reuniu centenas de pessoas no Parque das Mangabeiras com o objetivo de trocar e doar brinquedos e livros e também ouvir histórias e refletir sobre o consumismo infantil.
A todos que acreditam na importância de experiências que colocam a consciência à frente do consumo e propõem um novo jeito de se fazer as coisas, como as feiras de troca, um alerta: temos um longo caminho pela frente. Mesmo com todos os relatórios e pesquisas internacionais que mostram o esgotamento dos recursos do planeta e apesar de todas as provas de que o ser humano precisa repensar a sociedade em que vive, ainda vivemos uma cultura do apego, do acúmulo, do desperdício e do egoísmo. Em um mundo que diariamente nos ensina a competir, dá trabalho aprender a colaborar e compartilhar. Mas vale a pena o aprendizado.
A experiência da feira de troca de brinquedos, que felizmente tem acontecido em várias cidades do Brasil neste mês de outubro, nos mostra uma alternativa concreta para refletirmos sobre o consumo e fazermos um Dia das Crianças com mais consciência.
Afinal, o que esperar do futuro do planeta se os adultos de amanhã forem consumistas desde o berço? Crianças que são hoje consumistas provavelmente serão adultos ainda mais consumistas e isso, sob o ponto de vista ambiental, é muito preocupante, já que depositamos nelas um poder de mudança e de proteção do planeta. Do ponto de vista pessoal, crianças que têm tudo que pedem e não ouvem “não” podem ter problemas no futuro porque a frustração vai fazer parte da vida delas. E, socialmente, como será nossa sociedade se não educarmos nossas crianças para a troca, para o compartilhamento, para a doação?
É preciso ensinar a compartilhar, a trocar e a doar, abrindo mão do excesso e repensando a influência da mídia e da publicidade sobre nossas reais necessidades. Também podemos ter consciência do nosso consumo e de todos os seus impactos pessoais, sociais e ambientais.
Uma feira de troca de brinquedos é uma experiência enriquecedora, pois traz benefícios para as pessoas, para as relações entre as pessoas e para a nossa relação com o planeta. Questiona o bombardeio publicitário, mostra que presente não precisa necessariamente ser comprado, evita o endividamento das famílias por causa dos gastos com a compra de novos brinquedos, reduz o uso de matéria-prima (não podemos nos esquecer que precisamos de uma economia que leve em conta a finitude dos recursos do planeta) e exercita novas relações entre as crianças. Muitos benefícios em uma única experiência.
Mas a atenção principal de quem organiza uma feira assim não é pensar se as crianças vão respeitar os combinados. As crianças se comportam muito bem. O desafio está em conseguir que alguns pais entendam as regras principais: são as crianças que fazem as trocas e o que vale é o valor simbólico que a criança dá ao brinquedo e não seu valor monetário. As famílias e os voluntários só ajudam quando necessário, em algum conflito maior que as crianças não dão conta de resolver sozinhas. Mas a tentativa da troca é um aprendizado importante para elas. E a frustração, quando a troca não acontece, também contribui para o desenvolvimento das crianças.
Na feira de troca, os brinquedos não estão à venda, eles são peças que passam de uma criança para outra pelo simples desejo das duas partes. E, se uma parte não quiser, a troca não acontece, mas novas possibilidades estão logo ali.
O desejo de quem torce pela iniciativa é que, em cada feira de troca de brinquedos que aconteça, pais e mães aceitem a proposta do evento de não intervir, de não monetarizar a troca e não desrespeitar a vontade da criança. Se a família não está disposta a trocar um carrinho de controle remoto por um pequeno bichinho de pelúcia, que não leve o carrinho de controle para a feira. Se a família achar que a feira é um lugar para fazer bons negócios, com o intuito de levar vantagem ou coisa parecida, que repense sua participação no evento. Ao aceitar o convite da feira de troca, as famílias aceitam as regras das trocas, fundamentais para que tudo corra bem e o propósito do evento seja alcançado. Os brinquedos também devem estar limpos, completos e funcionando. Levar carrrinho sem roda e boneca sem braço também não é seguir as regras da feira. O cuidado com os pequenos detalhes fazem a diferença para o sucesso da feira.
Lidando com a diversidade de pensamento, nosso aprendizado se torna mais rico e passamos a compreender ainda mais o desafio de buscarmos experiências que promovam uma consciência crítica, que valorizem as pessoas, que cuidem das relações e do planeta.
No Parque das Mangabeiras
Aqui em Belo Horizonte, na II Feira de Troca e Doação de Brinquedos, no dia 5 de outubro de 2013, presenciamos pais e mães que receberam a proposta com entusiasmo e levaram seus filhos para experimentar outra forma de ter novos brinquedos sem precisar comprar. Outros estavam indo pela segunda vez e já apoiavam a ideia. Muitos voluntários trabalharam para a realização do evento e a diversão ficou por conta dos voluntários Nuno Arcanjo, Rodrigo Libânio e Paulo Fernandes com suas histórias e músicas. Um evento propositalmente realizado sem marcas, sem patrocínios e contando apenas com a vontade de refletir sobre o que hoje tem sido oferecido como diversão para crianças: marketing de empresas disfarçado de ações culturais e educativas em eventos infantis. Também para refletir sobre o bombardeio comercial sobre nossas crianças é que a II Feira de Troca e Doação de Brinquedos aconteceu em 2013 em BH. Muitas trocas, amizades e reflexão sobre consumismo infantil se concretizaram no Parque das Mangabeiras, uma imensa área verde que nos estimula ainda mais a repensar nosso consumo e buscar proteger o ambiente em que vivemos com carinho, cuidado e amor pela infância e por todos.
* Desirée Ruas é mãe de duas, jornalista, especialista em Educação Ambiental, coordenadora do Movimento Consciência e Consumo, de Belo Horizonte. Atua em causas como defesa da infância e combate ao consumismo infantil, leitura crítica da mídia, direitos e deveres do consumidor e ações socioambientais por uma vida mais saudável.
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