Texto de Desirée Ruas*
As crianças costumam ganhar brinquedos em datas como aniversário, Natal e Dia das Crianças. Pela primeira vez na vida, muitas crianças experimentaram uma forma diferente de obter brinquedos. Sem apelos de mensagens publicitárias, birra ou choro por parte das crianças, endividamento por parte dos pais ou impactos ambientais, a 1ª Feira de Troca de Brinquedos de Belo Horizonte, realizada no dia 6 de outubro de 2012, no Museu dos Brinquedos, mostrou que há outras formas das crianças renovarem seus carrinhos, bonecas e jogos. A Feira foi uma iniciativa do Instituto Alana, de São Paulo, que trabalha pela infância, e mobilizou mais de 50 pontos de troca de brinquedos em várias cidades do Brasil.
Em Belo Horizonte, a Feira foi realizada voluntariamente pelo grupo Consciência e Consumo e colaboradores. O objetivo de criar um dia das crianças diferente, sem consumismo, alcançou seus objetivos, já que muitos pais participantes da feira afirmaram que os filhos consideraram o brinquedo obtido na troca como o presente do dia 12 de outubro. Para muitas meninas e meninos, o dia 6 de outubro no Museu dos Brinquedos foi o verdadeiro Dia das Crianças, saindo satisfeitos da Feira com muitos brinquedos ‘novos’.
A Feira mobilizou centenas de pais animados com a nova experiência. E a principal regra era deixar as crianças negociarem sozinhas. Com exceção das crianças menores, que precisaram da ajuda dos pais e dos voluntários, a grande maioria deu conta do recado. Se na ida a uma loja crianças costumam ganhar o que querem após uma birra ou choro, na Feira de Troca, entre os pequenos, estas estratégias não tinham vez. As crianças falavam de igual para igual e mostravam muitas habilidades, além de paciência, compreensão e respeito.
Para a grande maioria das crianças, ir com os pais a uma loja ou pedir para eles comprarem um brinquedo eram situações conhecidas. Mas negociar um brinquedo dela por outro era algo completamente novo que exigiu desapego e coragem. Na troca não importava o valor comercial do brinquedo e sim o interesse da criança. Era possível trocar um brinquedo caro por um brinquedo barato, um grande por um pequeno, ou qualquer outra troca que interessasse as duas partes. E os pais nesta história? Muitas vezes, eram os pais que tinham dificuldade em aceitar a troca porque a criança sabe que o brinquedo serve para brincar e isso independe de marca, preço ou tamanho. Para os adultos, a preocupação em não ficar em desvantagem é muito presente, ao contrário das crianças que entenderam bem as regras da Feira de Troca: o valor que importa é o valor da brincadeira.
Pais sugeriram que fosse criado um vale-troca, uma espécie de moeda, para que cada criança escolhesse o brinquedo que quisesse, uma forma de trazer o dinheiro para o centro da questão. Mas o modelo da Feira de Troca não tem moeda, apenas a interação entre as crianças e por isso o aprendizado é muito maior. Sempre há a possibilidade da frustração já que a outra criança pode não querer a troca. A frustração ajuda a entender a questão dos limites. Nem tudo que a gente quer é possível. Algumas crianças não trocaram os brinquedos que levaram porque não conseguiram ou porque descobriram que não queriam abrir mão daquela boneca ou carrinho. Muitos brinquedos não trocados na Feira de Troca de BH foram para o baú do tesouro das doações que serão encaminhadas para instituições que cuidam de crianças, outros chegaram ao Museu dos Brinquedos já com este destino.
O local escolhido para a Feira de Troca em Belo Horizonte permitiu que pais e crianças também fizessem uma volta ao passado conhecendo brinquedos e brincadeiras de várias gerações. Os convidados voluntários Nuno Arcanjo e sua Bike Bambu, um centro cultural itinerante, e o brincante Rodrigo Libânio também tornaram a festa ainda maior com músicas e histórias cheias de imaginação e doçura.
E na Feira cada brinquedo é único e especial, e traz com ele uma história já vivida: diferente da loja que tem vários do mesmo tipo, sem nenhuma marquinha de uso ou arranhão. Após três horas de muitas conversas, negociações e trocas, muitas amizades foram feitas, muitas habilidade exercitadas e muito aprendizado novo, de um consumo colaborativo. O que não tem tanta utilidade para uma pessoa pode ser muito interessante para outra. E com isso usamos menos matérias-primas, água, energia, e geramos menos resíduos. Os brinquedos obtidos na Feira de Troca não vieram embalados, eram apenas brinquedos, sem logomarcas, frases de efeito, caixas de papelão ou plástico, e todos os apelos comerciais da publicidade dirigida à criança, que pode ser considerada abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor por fazer uso da ingenuidade das crianças. Na Feira foi possível experimentar os brinquedos antes de levar para casa, foi possível ver que muitos objetos usados valem como novos na imaginação de uma criança.
E a economia? E as lojas que vendem brinquedos? E o desemprego no comércio e na indústria? Trabalhamos com a ideia de que é preciso uma nova economia que respeite os limites da natureza e pela consciência em primeiro lugar, antes de tudo, inclusive e principalmente do consumo. Estamos do lado das crianças que saíram felizes com seus novos brinquedos usados, dos pais que não tiveram que gastar seu dinheiro nem assumir dívidas para fazer a alegria das crianças, pelo aprendizado gerado pela nova experiência, pela menininha de apenas três anos que disse que estava feliz por ter ganhado tantos brinquedos novos e que não se importava de ter levado para casa um brinquedo que faltava peças, dos brinquedos que estavam esquecidos no fundo do armário e agora estão felizes novamente por ter uma criança brincando com eles. Por esta alegria coletiva e pela nossa contribuição para o planeta que vem de uma prática tão simples e antiga que proporciona um aprendizado tão rico e complexo, principalmente nos dias de hoje.
Este ano tem mais! Participe também.
*Desirée Ruas é mãe de duas, jornalista, especialista em Educação Ambiental, coordenadora do Movimento Consciência e Consumo, de Belo Horizonte. Atua em causas como defesa da infância e combate ao consumismo infantil, leitura crítica da mídia, direitos e deveres do consumidor e ações socioambientais por uma vida mais saudável.
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