destaque_home / maternidade / 24 de agosto de 2015

Blogs maternos não comerciais: eles existem e são bons demais!

Texto especial para o Milc de Anne Rammi*

Na última incursão do Milc refletindo sobre a campanha de publicidade abusiva de um produto altamente questionável foi inevitável apontar – talvez pela primeira vez em grande escala – o papel da blogsfera materna em duas pontas distintas. Primeiro, como formadoras de opinião de um público cada vez mais permeável à informação fora da mídia convencional. E depois a própria blogueira como alvo da indústria, sendo usada de canal de disseminação de informação publicitária.

Eu, como editora do Mamatraca e uma blogueira com algum tempo de plateia para as iniciativas sórdidas da indústria frente à ingenuidade (ou má fé mesmo) das produtoras de conteúdo materno-infantil, estava realmente esperando que alguém pudesse colocar esse pingo nesse “i”. Da idoniedade da informação que tem vindo dos canais maternos. Achei tudo muito importante, ainda que reconheça que algumas colegas possam ter ficado chateadas, e lamento.

Claro que essa conversa gerou muito desagrado. É natural que os processos de reflexão (mesmo sobre as coisas mais cotidianas da vida de todas nós: como levar o filho ao cinema patrocinado por uma indústria farmacêutica que vende remédio disfarçado de bala e postar no instagram para efeito de massagem no ego, desculpem minha incontrolável ironia, mas eu já fiz esse papelão também) nos tirem de nossa zona de conforto. E sinceramente, considero que mesmo as reações mais raivosas são saudáveis nesse contexto. Uma vez que urge a reflexão sobre o que a publicidade desregulada está fazendo com as nossas crianças, e que as tentativas de reflexão pelas vias mais afáveis são uma constante no Milc. Muitas vezes ignoradas, digamos de passagem. Divido aqui essa responsabilidade com todas as comentaristas blogueiras que indignadas com a repercussão da campanha do Milc invocaram seu direito de livre expressão e ainda a nobre missão de “disseminar informação”. Pelo visto, não há muito espaço nos blogs das indignadas para o tipo de informação que os pais e mães como eu querem ouvir.

“A revolução não vai ser limpinha”. Uma amiga feminista me disse outro dia.

À revelia dos pedidos vazios de “mais amor”, a manifestação corajosa do Milc veio numa característica de “mais lucidez”. E por favor, quem não pode aturar lucidez, vá procurar ler outra mídia. Que um polo ativista digital sobre consumismo infantil não é o melhor lugar para se manter em estado de conforto alienado. Porque esse tipo de “amor” é o que a publicidade vende: um “amor” sem critério, sem reflexão, o amor pacato, de aceitação, de passividade e alienação. Se meus filhos me ensinaram alguma coisa, é que nada disso define amor.

“O amor dói”. Né?

Ainda assim, em nome do amor, na tônica da lucidez e motivada por conhecer o lado bom, o lado possível, a alternativa ao que está estragado de todas as coisas (como também fizeram recentemente com a questão da alimentação nas escolas) o Milc me convidou para falar com blogueiras que estão atentas para relações com publicidade

Blogueiras igualmente influentes, relevantes, que conseguem “disseminar informação” – um argumento tão potente, quanto perigoso, usado ad nauseum pelas mães que se sentiram ofendidas nas postagens que revelaram as práticas hediondas da indústria da publicidade para seduzir filhos, mães e seus leitores – em um amplo e vasto universo onde a blogsfera sobrevive. Onde há informação, confidência, notícia, jornalismo, história. E livre de publicidade perniciosa.

Essa é a primeira coletânea de histórias e blogs, há mais por vir!

carol
Carolina Pacheco – Carol e suas Baby Bobeiras

Ela começou a escrever quando ainda era uma tentante. Dividiu histórias maravilhosas e levou homens e mulheres à lágrimas de emoção e felicidade. Hoje contabiliza dois filhos e segue escrevendo no blog de acessos altíssimos, de forma independente.

“Eu fiz publicidade no meu blog timidamente, duas vezes. Mas não acho bonito. Não quero associar minha história a nenhuma marca. Eu também não gosto de ler divulgação no blog alheio. A não ser os que são declarados pra isso. Mas quer me deixar braba é ficar lendo um texto todo lindo pra no final ver que se tratava, na verdade, de um post pago. Não curto.”

Carol é escritora freelancer e atua como redatora para portais. A grande sacada profissional do blog é que ele funciona como seu portifólio no mundo online. Dessa forma ela trabalha com conteúdo, sem comprometer o objetivo principal do blog. Que garante, escreve por amor.

mariana
Mariana Sá – Viciados em Colo 

Temporariamente em “coma induzido” o Viciados é um dos primeiros blogs maternos a discutir a questão do assédio da indústrias contra crianças, mas nasceu como um blog de rotina, como a grande maioria. Mariana conta: “Era um blog de mãe sem qualquer pretensão ativista. Sem compromisso, sem exigência e sem responsabilidade. Daí eu estava ali com algum “prestígio”, com uma métrica razoável, quando comecei a receber brindes e sugestões de pauta. O primeiro brinde rendeu notinha. Aí eu comecei a pensar em ganhar uma graninha com aquele prazer. Reprogramei o blog, comprei domínio e comecei a pensar em formas de fazer aquilo virar benefício. O critério que pensei em eleger era simples: só receberia grana para falar bem de algo se eu ficasse feliz em falar de graça. E jamais copiaria e colaria um release.

Então comecei a olhar as minhas sugestões de pauta e comparar com uma lista de anunciantes em potencial. E me veio a responsabilidade que eu teria ao vender meus filhos e minhas leitoras amigas a um anunciante. Depois pensei em como eu ia dar clareza para os leitores que alguém tinha pago pela minha opinião. E pensei na minha credibilidade: será que quando eu recomendasse algo sem ganhar nada, as pessoas acreditariam que não ganhei nada? Aí pensei na minha responsabilidade de fazer recomendações que afetam a vida das crianças. Então, percebi que eu teria quer transformar em trabalho algo que era espontâneo; teria que dar resultado, mostrar relatórios. Tendo tudo isso em mente, decidi que seria muito trabalho e muita energia para avaliar cada proposta. Por tudo isso decidi que não valia à pena.”

 
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Carol Garcia – Viajando na Maternidade
 

O primeiro post do blog da Carol data dos recônditos de 2010, quando a blogsfera materna ainda não havia sofrido a invasão comercial que vemos hoje. Para quem não era mãe, leitor ou blogueiro na época, devo contar que ficávamos trocando “selinhos”  (figurinhas, literalmente) pelos blogs. Uma boa parte das leitoras de blogs eram as próprias blogueiras e muito do que acontecia se resumia a relatos das vivências como mãe. A Carol sempre teve uma abordagem turística: contou tudo o que fez, passeou e viajou com o filho Isaac, muito antes que “turismo” virasse também um segmento de mídia para anúncios ao público materno. “Eu tenho minhas convicções sobre esse mundo. Não sou ligada ao ativismo. É dificílimo ser levada a sério pelas empresas – e digo isso como blogueira muito assediada que já fui. Até mandar email cabeludo dizendo que eu não era índio pré-colonização pra aceitar espelhinho eu já fiz. Enfim, era uma época que as caixas de presentinhos se amontoavam na porta de casa, mas quando eu mandava os valores de posts publi, todo mundo sumia. Até hoje não consigo ver uma luz na parte financeira do blog.”

 

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Ana Cláudia Bessa – Futuro do Presente

Dessa lista, a Ana é talvez a blogueira mais antiga. Seus filhos já dobraram a casa dos dez, o que é uma raridade na blogsfera materna. Ana é uma das fundadoras do MILC, e hoje se dedica ao empreendedorismo materno, no atelier de mesmo nome do blog. Nascido e criado nas suas convicções: produtos sustentáveis, artesanais e sem publicidade infantil. “O blog foi perdendo prioridade, quando me lancei em outros projetos com mães maravilhosas que conheci pelo caminho. Como O Grupo Cria e o MILC.  Não estou nem perto de ser rica, mas o meu trabalho de confecção dos produtos e a loja são meu xodó.” Ana relata que já esteve em muitos eventos patrocinados por grandes empresas. “A seduçao é grande. Ja fui ao Projac e já recebi muitos brindes.Em geral, recebia coisas até legais por conta da minha linha editorial, que sempre foi de sustentabilidade. Mas coneçaram a surgir greenwashings que nao me convenciam . Como um livro sobre o brincar bancado por uma marca de sabão em pó de mega corporação . O livro é excelente. Mesmo assim, nao topei.” Ana conta que por muitos anos, blogueiras maternas foram assediadas para fazer publicidade gratuita, enquanto eram arrebanhadas por agências, que claro, lucravam com isso. Aparentemente, a prática mudou um pouco. Hoje existem pools de blogs maternos que vendem espaço dentro dos blogs credenciados garantindo relações mais proveitosas para as blogueiras e as defendendo contra os abusos comerciais da indústria. Mas ainda cabe aos leitores entender qual é a produtora de conteúdo que dispensa reflexão e responsabilidade acerca de seu poder de influência.

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Ananda Etges – Projeto de Mãe
 
Ananda é jornalista no Rio Grande do Sul e escreve seu blog desde 2011. Buscando uma forma alternativa para monetizar o conteúdo do blog, sem ferir as coisas em que acredita, ela chegou a criar uma loja virtual para receber produtos especialmente de famílias empreendedoras. “Tinha de tudo: body, camiseta, fralda de pano, brinquedos educativos, de madeira, algodão orgânico, etc. Eu organizei a loja, logística de entrega, fiz identidade e pacotes. As mães entravam com o produto e me davam uma comissão, pequena justamente para valorizar o trabalho delas. Infelizmente, as vendas nunca decolaram. A minha comissão não pagava nem a plataforma da loja, ou seja, eu estava botando grana e sem previsão nenhuma de retorno. Toquei a loja mesmo assim por quase 1 ano e desisti, um tanto decepcionada”.  Se você visitar o blog de Ananda verá que ela mantém uma política clara de publicidade, mas que para além de um selo que identifica o anunciante ou parceiro, de fato os posts patrocinados não provém de grandes corporações.

” Eu dou preferência para famílias empreendedoras, pois acredito que dar espaço para essas famílias é ajudar a empoderá-las. Já para corporações tenho a tabela cheia e não sou muito flexível. É assim: ou quer ou não quer. E se quiser vai ser do meu jeito. Eu só falo do que conheço, testo e aprovo. Além disso, o produto deve estar relacionado com o que acreditamos como família, ou seja, amamentação, criação com apego, etc. Por conta disso, e também por eu ser do Rio Grande do Sul, fora do eixo de convites para eventos ou envio de brindes, acabo não recebendo muitas propostas de empresas maiores.”
Ananda corrobora a opinião geral das blogueiras não comerciais sobre as ações dentro de blogs maternos: “Enviar brinde, convidar para coquetel, é uma estratégia para as blogueiras que estão no eixo Rio-São Paulo. São ações baratas para as empresas, e aos poucos vão gerando simpatia das blogueiras com marca. Quando entra uma negociação de valores a empresa consegue descontos”. Isso sem contar a mídia espontânea que as grandes corporações conseguem com os blogs comerciais e a criação de cultura – através da informação publicitária passada em forma de “conteúdo para mães”, “Eles sempre convidam um especialista super conceituado pago, para trazer mais credibilidade”.  E uma celebridade, dependendo da verba, eu preciso pontuar.
 
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Paola Preusse – Maternidade Colorida
Paola faz parte de uma nova geração de blogueiras, que alia sua atividade profissional, sua formação e conhecimento ao desejo de produzir conteúdo na internet. Ela é nutricionista, e ofecere conteúdo com alto valor nutritivo para mães e crianças, mas sem muitas oportunidades comerciais. Ela conta: “Eu até topo fazer publieditoriais para produtos que eu uso ou acredito. Mas a tristeza é que as propostas que chegam eu jamais indicaria para ninguém. A forma que eu teoricamente tenho retorno financeiro com o blog, é divulgando meu trabalho como nutricionista infantil. A pessoas me procuram como nutricionista e contratam meus serviços.”
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Giovanna Balogh Redondo Padgurschi- Mães de Peito

Giovanna é jornalista e esteve à frente da coluna “Maternar” na folha de São Paulo. Para as mães ligadas às temáticas do parto, amamentação e erradicação da violência contra a mulher, Giovana exerceu um papel decisivo na disseminação da informação sem interesses comerciais para essas questões. Hoje toca o blog “Mães de Peito” um projeto pessoal que foi rapidamente hospedado por um dos maiores portais do conteúdo do país: o UOL.

No Mães de Peito, Giovanna segue com seu compromisso com a maternidade ativa, parto respeitoso, amamentação, criação com apego e direitos das mulheres. E tem nos oferecido conteúdo extremamente profissional e criterioso, ainda que não tenha encontrado um formato perfeito para remuneração de seu trabalho “Está difícil”, comenta. Como a grande maioria das blogueiras não comerciais, Giovanna traça planos de atividade remunerada independente, com cursos, palestras e workshops no Coletivo Bombo, para mães da Zona Sul de São Paulo. “Uma alternativa para não me vender, porque não faço post pago”.

Cíntia Dalpino – Mãe At Work

Como tantas outras mulheres, Cíntia passou por uma reviravolta profissional e pessoal com a chegada dos filhos. Depois de uma longa jornada, criou a plataforma Mãe At Work, que tem a missão de refletir, questionar e desvendar novos modelos para a maternidade contemporânea, que abarca os perfis de mãe e profissional em uma só pessoa: a mulher.
O blog de Cíntia é um projeto pessoal. Um lugar de prestação de serviço para a comunidade. E não nasce com objetivos comerciais. “Se houvesse uma empresa brasileira que servisse de modelo no atendimento às mães, e essa emprese estivesse interessada em apoiar o conteúdo do Mãe At Work, eu poderia pensar em rentabilizar o blog. Mas esse não é meu objetivo, ele é uma causa social.”
Cíntia entende que o formato de anunciantes impede a liberdade e independência do conteúdo. E estuda possibilidades de auto-suficiência para seu projeto através de E-books, cursos online ou consultorias para empresas. “Os ambientes de trabalho para mulheres que são mães estão carentes dessa reflexão. Há oportunidade, para que coaches e consultoras atuem nessas áreas”. Que as mães que estão envolvidas na produção de conteúdo idôneo sobre maternidade tem poder de mudar o mundo, isso a gente nunca duvidou.
Multiplica Senhor!

 

 
Andrea – Lagarta Vira Pupa

Andrea representa uma pequena parcela da população de blogueiras maternas. Ela tem um filho autista, e através de seu blog e dos eventos que nascem dele – como o Pupanique, o maior Piquenique inclusivo do país – tenta trazer visibilidade para as crianças com deficiência e suas famílias. “O autismo, no entanto é apenas uma de minhas pautas. Eu tenho um posicionamento claro, humanista, para vários aspectos da maternidade contemporânea. Eu não fico em cima do muro, quem quer ganhar dinheiro com blog, não pode ter muita opinião.”

O Pupanique desse ano, saiu do projeto na base de muito trabalho voluntário da Andrea, que sorteou prendas doadas por grandes empresas, achou fornecedores parceiros para as comidas do evento e distribuiu brinquedos enviados na última hora por uma multinacional. “No ano passado eles me mandaram vinte brinquedos. Esse ano, a moça que cuidava disso na agência estava de licença maternidade. Acabei conseguindo uma caixa com pequenas avarias, via uma ex-colega de trabalho que ainda atua na marca”.

Andrea conseguiu manter a entrada gratuita para mais de 600 pessoas que se reuniram no Parque da Água Branca, em São Paulo. “Muitos pais de crianças com deficiência não tem dinheiro para o tratamento, imagina se podem gastar com entrada em um evento?”

Nem o Pupanique, nem o blog me geram renda absolutamente nenhuma. Atualmente Andrea mora em Estocolmo e não exerce atividade remunerada, “Eu estou acompanhado o tratamento do Theo. É claro, que eu gostaria de ganhar dinheiro com o blog, especialmente porque seria importante para meu filho, que provavelmente nunca será financeiramente independente”. Ela diz que chegou a enviar midias-kit para as agências de publicidade e relações públicas, mas não obteve retorno. “Não sei se é porque moro fora do país, ou porque consideram meu conteúdo de nicho”, lamenta.
“Mas eu não faço qualquer tipo de publicidade porque não acredito nas empresas que mais investem em blogs. É só porcaria alimentícia e farmacêutica. Aí fica difícil.”

 

***
Nota da editora: você é blogueira? Já fez publicidade no blog? Ainda faz com alguns critérios? O seu blog traz benefícios financeiros ou de alguma outra natureza? Quer contribuir com o nosso mapeamente de experiências? Deixe seu email nos comentários que entraremos em contato para conversarmos.

(*) Anne é mãe de dois e especialista em nada. Artista plástica por formação, pinta, borda, canta e sapateia. Tudo mais ou menos. Divide sua experiência de mãe e curiosa dos assuntos que cercam a criação de filhos na internet desde que eles nasceram, com abordagem bem humorada e ranheta, como lhe é peculiar. É editora do Mamatraca, um portal de conteúdo materno independentewww.mamatraca.com.br

Tags:  mídia e blogueiros mídia e mães blogueiras publicidade publipost

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Mariana Sá




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