Texto de Roberta Ferec*
Eu tenho recebido muitas mensagens e comentários no Instagram de pessoas lindas and queridas querendo saber mais sobre a tal da escola na qual você-deixa-as-quiança-e-volta-pra-casa-de-feira-pronta. Então vou tentar cobrir as perguntas por aqui, assim quem sabe ajudo todo mundo de uma vez só, né não? O mais bacana é que a grande maioria me pergunta coisas, porque quer levar ideias pra escola dos seus próprios filhos, eu acho essa troca fenomenal. Chama-se MUDAR O MUNDO, bêjo estalado, sociedadjee.
Então, a pedidos:
A escola é pequena, privada, inclusiva e segue a pedagogia Reggio Emilia.
Desde a minha primeira visita eu percebi que a porta da diretora estava sempre aberta e que, a toda hora, entrava um bocado de pai e mãe pra falar alguma coisa. Perguntar alguma coisa. Dar pitaco em alguma coisa. Chorei de emoção porque, né? Esse é o sonho do tipo de categoria de mãe na qual eu desavergonhadamente me encaixo.
Também percebi, caminhando pela escola e conhecendo os projetos dos alunos, que a criança era parte importante da comunidade. Projetos de agricultura urbana, projetos de venda de ovos na feira. VEJAM: TODO UM SER HUMANO DE IMPORTÂNCIA. Aquilo já encheu meu coração de alegria.
E os pais, por sua vez, eram parte importante da escola. Do latim: não bastas pagaris. Tem que voluntariaris. E muito.
Aliás, a respeito de voluntariado: a relação entre a escola x pais, aqui nos USA, é um pouco diferente da relação pais x escola no nosso querido Brasil. Aqui é esperado que cada pai e mãe voluntarie na escola por um determinado número de horas. Na nossa escola, por exemplo, cada pai, mãe ou responsável tem que voluntariar por 20 horas/ano. Independente de trabalhar fora ou não. Não tem desculpa, trânsito ou tempo ruim. Você pode organizar a biblioteca, arrumar as-bagunça-tudo, passar um vidrex rs rs, ajudar com os preparativos da festa, fazer massinha, costurar ou dar umas aulinhas de yoga.
Outra coisa que eu percebi em minhas primeiras visitas é que a comida tinha uma importância surreal. Além de figurar nos cardápios espalhados pela escola, ela também fazia parte das aulas de arte, música e matemática. Era aluno pintando abacate, aluno pesando abóbora pra aprender física, aluno contando framboesa. Vi uma garota de 3 anos conversando atentamente com uma melancia rs. Em um mundo esquisito, onde perdemos a conexão com a terra, e onde muita criança não sabe a diferença entre cebola e espinafre, ver aqueles alunos tendo intimidade com a comida de uma maneira que transcende o ato de comer me impressionou de verdade. Eu achei aquilo de uma boniteza incrível.
Aliás, a alimentação foi um dos grandes motivadores iniciais na escolha dessa escola. Comida simples e saudável. Ingredientes vindos, na imensa maioria, de cooperativas locais. A escola tenta utilizar orgânicos. Quando não é possível, ela baseia suas escolhas e prioriza a listagem dos “12 dirty” e os “15 clean”, uma lista que elenca quais frutas e verduras são mais ou menos afetadas pela agricultura não orgânica.
E pra quem perguntou como funciona isso de eu ir buscar criança e voltar pra casa com a feira de orgânicos devidamente feita, funciona assim. A diretora, que assim como eu é mãe de três, percebeu que as pequenas cooperativas locais tinham muita vontade de vender seus produtos para os pais. Porém, não tinham condição logística de entregar de casa em casa. A escola, então, disponibilizou o espaço para a entrega, uma vez por semana.
Na prática, eu compro os produtos pela internet na terça e, na sexta feira, quando busco as crianças, já pego minhas caixas de orgânicos. Fora frutas e verduras, os pais também podem comprar queijo, leite cru, carnes, ovos caipiras. Tudo de primeira qualidade e com preço excelente. E ainda melhor: ajudando os pequenos comerciantes, sem aumentar os já gigantescos lucros das grandes redes de supermercado.Tão simples, tão GENIAL.
Ainda sobre comida: a escola também ajuda pais empreendedores e outras pessoas da comunidade que vendem alimentos em pequena escala. Montou um diretório onde podemos comprar pão, leites vegetais, geléias e outras delícias feitas por pequenos empreendedores. A entrega é feita na escola (e a escola não ganha um puto com isso, é desejo genuíno de ajudar.)
A escola vai mudar para um terreno maior no próximo ano. E os pais voluntários vão ajudar muito na mudança. Quando? No final de semana, bêjo Netflix.
Na nova escola haverá espaço pra plantar, a idéia é enveredar no caminho da sustentabilidade. Há muitas outras coisas acontecendo no campo comida/empreendedorismo, a mais fofa sendo as crianças vendendo kombucha e os ovos das galinhas da escola. Nhóim, compro todos, num guento.
É tão bom quando os valores da escola refletem os nossos próprios valores, não?
Mas, olha. De tudo, se alguém me perguntasse hoje qual a coisa mais importante na escolha da escola, eu diria que é a tal da porta aberta da sala da diretora.
A abertura da escola para o envolvimento dos pais e o acolhimento das idéias deles. A escola deve evoluir, crescer, melhorar – seja por idéias próprias e transformadoras, seja por sugestões das crianças e dos pais. E acabou, dona escola. Vai ter pitaco, sim.
Neste mês, por exemplo, eu levei frutas e hortaliças pra escola, pra modo de fazer suco verde para os funcionários (porque eu sou a #loucadoliquidicador).
Eu vinha estudando o poder das hortaliças de folhas verde escuras e estava DECIDIDA a fazer o mundo tomar mais suco verde rs. Desse encontro surgiu uma grande idéia: já que eu tenho todo o material pertinente, que é parte da minha grade de estudos, porque não organizar um workshop com os pais e professores? Suco de fruta todo mundo sabe fazer, mas e suco de hortaliças? E o que a ciência diz sobre eles? Tudo o que precisamos é de um bom liquidificador, frutas e verduras. Uma outra mãe ficou sabendo e se ofereceu a ensinar a fazer doces veganos. A escola nos deu carta branca e um super incentivo. E o workshop vai acontecer daqui um mês. Na escola, que é pra isso que ela serve, coreto?
Tenho pra mim que a questão da má alimentação na escola, principalmente na escola privada, passa muito mais pelo envolvimento dos pais e a disposição da escola em ouvir e acatar sugestões de quem a está contratando, do que qualquer outra coisa. Precisamos parar com a visão da escola apenas como prestação de serviço, onde pagou tá tudo certo. ´E preciso envolvimento real e irrestrito. Pais se reúnem. Material é pesquisado, impresso, distribuído. Sugestões são dadas, trocadas, pensadas, autorizadas. E mudanças são feitas. Não estou dizendo que mudanças acontecem da noite pro dia e nem que mudar paradigma é fácil. Mas também não deveria ser tão difícil.
Nós vivemos em meio a uma epidemia mundial. De obesidade, câncer, doenças crônicas de toda sorte. Produtos alimentícios que estão nos adoecendo e alterando o nosso DNA. Isso não é pouca coisa. Precisamos de mudanças nas esferas que alcançamos, em nossas escolas, na nossa comunidade.
Temos que nos libertar desse pensamento de que “não adianta”.
“Não adianta falar com a diretora”.
“Não adianta conversar com outros pais”.
“Não adianta.”
“Não adianta.”
E investir em pensamentos de atitude:
“Vou imprimir isso aqui.”
“Vou imprimir isso ali.”
“Vou marcar uma reunião.”
“Eles vão ter que me engolir.”
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Texto publicado anteriormente no perfil @piscardeolhos da autora, enriquecido com um debate pelo whatsapp, que teve a sua republicação autorizada. Imagens do acervo pessoal da autora. Apenas reproduzir mediante autorização.
(*) Roberta tem trinta e tantos, é mãe do fundão, daquelas que interrompem o pediatra quando ele está falando. Mãe de Noah, Luna e Gael, cada um nascido em um continente diferente. Em partos diferentes. De mães completamente metamorfoseadas, já que, na maternidade e na loucura, Raul Seixas tinha era razão. Hoje ela mora nos Estados Unidos e estuda nutrição, agricultura urbana e meditação transcedental. Fica sonhando em ter uns doze filhos, não porque a idéia de varar noites em claro lhe agrade. Mas porque a cada um deles que nasce, ela renasce. E se torna uma pessoa um cadinho melhor.
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