Texto especial para o Milc de Debora Regina Magalhães Diniz*
“Comer é mais que ingerir um alimento, passa também por todas as relações pessoais, sociais e culturais que estão envolvidas no ato. A cultura alimentar está diretamente ligada com a manifestação desta pessoa na sociedade.” (Leonardo, Maria – Antropologia da Alimentação)
É preciso compreender o significado individual e coletivo da alimentação. No nível individual, alimentar-se significa escolher alimentos a serem ingeridos a partir de hábitos alimentares construídos. Esses hábitos alimentares são adquiridos no contexto familiar, porém, são fortemente influenciados pelo meio, por isso é preciso saber o acesso que a família tem a variedades de alimentos, que região pertence, que grupo social. Sabemos que o hábito alimentar do brasileiro é variado, por conta do nosso tamanho territorial, influências de diferentes povos e da inúmera diversidade de alimentos. Sabemos que nos grandes centros urbanos, a cultura da comida industrializada e rápida tem se alastrado devido ao fato de pessoas terem maior carga de trabalho e cada vez menos tempo para escolha e preparo de alimentos. Também nas áreas rurais, onde se supunha existir hábitos alimentares mais saudáveis há a ilusão de que a comida dos centros urbanos é melhor, fazendo com que produtos alimentícios industrializados e fast food sejam valorizados. Não podemos esquecer, e isso é muito importante, que o consumo de industrializados está associado a status social.
Há ainda ideia falaciosa de que cozinhar o próprio alimento é algo muito trabalhoso, principalmente porque, para muitos brasileiros, comida “caseira” consiste em arroz, feijão e a chamada “mistura”. Imediatamente associamos esse tipo de alimentação às nossas avós que passavam muito tempo na cozinha. Com isso, a indústria e a publicidade de alimentos processados divulgam maciçamente alimentos industrializados “rápidos e saborosos”, como se alimentação fosse apenas a necessidade de ingerir calorias e dá-lhe salsicha e macarrão instantâneo! Por conta da publicidade e da rotulagem inadequada muitas pessoas desconhecem os malefícios desses alimentos ultraprocessados, hipercalóricos e pouco nutritivos.
Depois de tanta publicidade, tanto desserviço, vemos ainda a divulgação da ideia, pelos agentes bancados pela indústria de alimentos, de que “o brasileiro não sabe se alimentar” que ele prefere comidas gordurosas e açucaradas, como se o nosso hábito alimentar não fosse fortemente influenciado pela indústria.
E, se existe uma coisa com a qual realmente não concordamos nesse discurso é a história de que o consumidor precisa ser educado para comer. E o argumento falacioso é que precisa educado justamente pelos agentes que destruíram o paladar das gerações que vieram após o fim da 2a. Grande Guerra. Precisamos de mais agricultura familiar, não de educação para consumir industrializados. Precisamos de mais divulgação do Guia Alimentar Brasileiro. Precisamos desglamourizar a indústria de alimentos. É muito sódio, gordura, açúcar refinado, conservantes e aromatizantes embalados luxuosamente.
Compreendemos que, sendo corresponsáveis por uma epidemia de obesidade mundial, as grandes corporações da indústria alimentícia, estejam agora buscando modificar o discurso. Está ficando difícil vender. As pessoas estão começando a buscar alternativas e se esforçando por uma melhor alimentação. É difícil para o cidadão comum, o tempo para cozinhar em casa foi esmagado com o aumento das horas de trabalho fora e deslocamentos em grandes cidades, mas muita gente se vira para tentar comer melhor.
É o que chamamos de “culpabilização da vítima”.
Se em casa já é difícil cultivar bons hábitos alimentares, fora dela o desafio é maior ainda. Se não podemos controlar tudo que nossos filhos comem fora, nossa casa é o local de cultivar bons hábitos alimentares e praticar, ao menos, a redução de danos.
A adolescência é a fase de socialização, de descobrir o mundo de “sair do ninho”. E nessas saídas, os lugares escolhidos são shoppings, lanchonetes, cinema, eventos externos. Nesses locais a quase totalidade dos alimentos oferecidos são os altamente calóricos e pouco nutritivos. Sem contar o tamanho cada vez maior das porções.
Quando chegamos à escola, que deveria ser um ambiente educativo no qual poderiam incentivar o desenvolvimento de bons hábitos,constatamos que também tem sido omissa em seu papel. Os poucos projetos alimentares existentes focam apenas nas crianças de educação básica. Entre os adolescentes os projetos ficam esquecidos e as cantinas escolares reforçam péssimos hábitos, ainda que algumas já proíbam frituras e refrigerantes. Para desenvolver uma educação alimentar na escola é preciso que toda comunidade esteja engajada: direção, professores, cantineiros, pais e estudantes.
O que nos falta para conseguirmos nos alimentar bem, além de tempo? Precisamos todos de muita Informação, de educação alimentar. Com informação correta deixamos de fazer escolhas alimentares ruins.
Este foi o primeiro texto da Série Especial: Alimentação na Adolescência.
(*) Debora Regina Magalhães Diniz é mãe de três, cofundadora do Milc, cursou Letras e Semiótica. É professora, doula e educadora perinatal. Atualmente vive no Vale do Paraíba e é uma das coordenadoras da Roda Bebedubem. É ativista e implicante com a sociedade atual desde sempre.
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