Texto de Mirtes Aquino*
Livros infantis são livros escritos para crianças, e, portanto, são livros limitados, simples e… bobos, certo? Errado! Pelo menos para os bons livros infantis. Achar isso apenas reflete a ideia de que as crianças também são “limitadas”, “simples” e “bobas”. E isso definitivamente não é verdade.
Os livros infantis são sim escritos, ilustrados e idealizados para as crianças, e, portanto, apresentam uma linguagem, escrita ou não, próxima do universo infantil. Mas a verdade é que o universo infantil é riquíssimo e variadíssimo! Isso porque quase tudo que permeia nosso mundo pode ser transportado para o infantil, e o resultado disso só será limitado, simples e bobo se este for o objetivo. Assim, existem livros e livros infantis… sim, alguns são absurdamente tolos e vazios.
Alguns parecem manuais de adestramento, outros são resumos mal feitos de histórias clássicas, cheios de furos e falta de nexo, e alguns ainda, são cheios de recursos para atrair as crianças, mas possuem projeto gráfico duvidoso e um conteúdo ainda pior. Enfim, em meio a muito livro RUIM (sim, vou me permitir usar esse termo) temos, no Brasil e fora dele, obras maravilhosas, absolutamente encantadoras. Existem livros sobre os mais variados tipos de assuntos, com pouco ou nenhum texto, em poesia, prosa, com jogos de palavras, com jogos visuais, feitos para encantar com a leitura, o olhar, o toque. Divertem, instigam, promovem a criatividade e a fantasia, resignificam os medos e anseios, ensinam, trazem novos temas e pensamentos, abrem debates e colocam pulguinhas atrás da orelha. Ou seja… tudo que livros “não-infantis” fazem.
Sobre a literatura infantil, sou adepta do menos é mais! Geralmente os livros que me arrancam um UAU! são aqueles que saíram de uma sacada genial e que deixaram seu recado de forma direta e simples, com uma pitada de fantasia, ou uma jogada de humor, ou ainda com muita beleza – mas sempre com muito respeito pela criança. Costumo dizer que os livros infantis podem surpreender, porque, pessoalmente já me surpreendi muitas vezes com eles.
Foi o que aconteceu com o livro que trago hoje. Trazer temas do nosso (louco) mundo para o infantil é um desafio dos mais instigantes. E alguns autores conseguem fazer isso com perfeição. Assim como fez Eva Furnari há quase uma década e meia em Lolo Barnabé. O livro conta a história de Lolo e sua família, mas… espera, conta também a história da nossa sociedade de consumo! Consumo, modernidade, obsolescência de produtos, insatisfação permanente, perda de percepção da necessidade, falta de consciência no ato de consumir, excesso de horas trabalhadas, redução de horas de lazer, pais cansados demais para ficar com filho, filho carente da presença dos pais, alienação dos meios de comunicação, distanciamento da natureza, consumismo… ufa, tudo isso é complexo demais para apresentar a uma criança pequena, certo? Errado! Pelo menos para Eva Furnari. Com maestria, ao contar a história de Lolo e sua família, Eva passeia por todos esses pontos. De forma muito simples, mas muito representativa!
Lolo Barnabé é um homem das cavernas extremamente inteligente, criativo e trabalhador. Ele casa com Brisa, e eles têm um filho chamado Finfo. Ah, mas Lolo e Brisa logo descobrem que podem inventar coisas bem legais para tornar a vida mais confortável, segura e divertida. E isso é muito legal. Só que, à medida que novas invenções surgem, surgem também novas necessidades, e num ciclo vicioso, mais a mais produtos são criados e passam a demandar novos e mais complexos produtos. Cada invenção parece deixa-los felizes… mas nem tanto. E assim, uma nova invenção passa a ser urgente, num incessante ciclo de insatisfação e incompletude. Primeiro foi a casa, e a tinta amarela para pintá-la, depois as roupas e sapatos, e assim foi com a cama, a mesa e a cadeira, o fogão a gás e a água encanada, o cotonete, o shampoo e o comprimido para dor de cabeça, os eletrodomésticos, os brinquedos e a televisão – ah, essa foi sua invenção mais hipnotizante! E para inventar tanta coisa, o casal passa a trabalhar demais, e a ter cada vez menos tempo para ficar com Finfo, que sente cada dia mais a falta dos pais. E eles já não cozinham nem conversam muito, preferem pedir pizza e assistir TV. E num instante a vida começa a parecer complexa demais, ocupada demais, estressante demais.
E quando chega nesse nível, é quase impossível voltar atrás, livrar-se do ciclo vicioso do consumismo, certo? Errado! Pelo menos para Lolo Barnabé e sua família, que percebem, meio que por acaso, que lá no íntimo, eles ainda sabem exatamente o que é mais valioso em suas vidas. E acredite, nenhuma das invenções estavam nesse grupo… e tudo parece voltar a fazer sentido.
Obs: Não foi minha intenção – e certamente nem a de Eva Furnari ao escrever Lolo Barnabé – dizer que as invenções e modernidades de nossa sociedade são maléficas ou que não deveriam existir – este blog é produto de algumas das mais fantásticas invenções humanas. O que o livro ilustra com muita simplicidade e humor, e eu concordo, é como ao longo da evolução humana perdemos a mão nas coisas que deveriam nos trazer apenas conforto, segurança e satisfação. De como, sem nos darmos conta, nossas “invenções” nos trazem estresse, insatisfação e distanciamento… mas que, talvez, esse caminho não precise ser sem volta, e um meio termo possa ser encontrado.
(*) Mirtes é a mãe da Letícia, além de economista e funcionária pública. Desde que se tornou mãe aprende que é possível construir um mundo melhor, o que necessariamente passa por uma infância mais respeitada. Escreve no Cachinhos Leitores, seu blog sobre literatura infantil. http://www.
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