Texto especial para o Milc por Mariana Sá*
No início deste mês, enfeitei a casa e montei a árvore de Natal com meus dois filhos, uma menina de oito e um menino de três anos de idade. Uma árvore banal com enfeites banais, reaproveitados ano após ano. E, mesmo sendo velha conhecida nossa, pude observar os olhos dos meus filhos brilharem a cada caixa aberta ao se depararem com toda sorte de bolas e penduricalhos.
Pude observar também o encantamento diante das luzes de Natal que iluminam os prédios da cidade. Impossível não ter sentimentos felizes diante dos signos de Natal, e todos eles falam diretamente às crianças. Figuras como o Papai Noel estão intimamente ligadas ao imaginário infantil.
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Pois bem, em meados de 2013, a Coca-Cola anunciou alguns compromissos com a saúde e o bem-estar, entre eles “Fazer marketing responsável, incluindo não dirigir publicidade a crianças menores de 12 anos em nenhum lugar do mundo”[1]. Como minha experiência é mais forte do que a minha esperança, não acreditei, mas achei uma ótima notícia! Sim, eu sabia que o compromisso era da boca para fora, especialmente este de não falar mais com as crianças do mundo inteiro.
E, mesmo sem acreditar, fiquei feliz por alguns motivos:
1. A Coca-Cola se coloca como parte do problema mundial da obesidade e das comorbidades relacionadas ao consumo excessivo de açúcar;
2. A Coca-Cola investe parte do seu dinheiro em programas de bem-estar e promoção da saúde;
3. A Coca-Cola admite que precisa melhorar a sua rotulagem; e, finalmente,
4. A Coca-Cola, uma empresa de porte internacional, admite que marketing e publicidade afetam a infância.
E nem precisei esperar muito para ver que estava certa em não acreditar. Bastou chegar novembro para eu ver minha cidade repleta de mobiliários urbanos e caminhões de entrega com a imagem do bom velhinho segurando a tradicional garrafa da bebida açucarada seguida de comandos relacionados ao amor, à amizade, à esperança. Impossível impedir que uma criança veja a peça publicitária e que não seja afetada por ela: ora, é Papai Noel bebendo Coca!
Eis que me deparo com uma casa toda vermelha que promete ser a Casa do Papai Noel. Para divulgar a atração, outdoors espalhados por toda a cidade. Na página da casa, vemos fotos de crianças muito pequenas tirando fotos com o velhinho, com duendes e outros personagens e é impossível uma logomarca não aparecer, afinal para onde se olhe tem logomarca.
É uma casa construída na medida da fantasia natalina infantil. É uma atração PARA crianças. É exposição da marca para crianças e mesmo sendo opção familiar pagar o ingresso para obter a experiência, ainda assim é a Coca-Cola dirigindo marketing, publicidade e propaganda para crianças soteropolitanas menores de 12 anos.
Mães e pais não têm recursos para controlar a exposição das crianças diante de ações promocionais e campanhas publicitárias de rua; quando estas campanhas e ações trazem personagens que falam diretamente com as crianças é covardia.
Para não dizer que não falei do audiovisual, vejam vocês o filme lindo e emocionante elaborado para o Natal de 2013, uma variedade de signos verbais e não verbais especialmente endereçados às crianças pequenas. Feito com recursos de animação bem infantil, o comercial é protagonizado pelo Papai Noel em sua animada fábrica de brinquedos.
Daí o comando de “compartilhar os verdadeiros presentes” coloca no centro da cena uma família na ceia do Natal e uma criança ajudando uma idosa, cenas que comovem, sempre com a bebida ou a logomarca aparecendo no detalhe: a garrafa da Coca-Cola está na mesa do jantar da família unida e o caminhão “da felicidade” passa ao fundo da cena de solidariedade.
A logomarca aparece sempre associada a valores e princípios positivos, como se beber Coca-Cola nos aproximasse de um ideal de ética e bondade. Esta animação oferece uma riqueza de elementos que faria qualquer especialista em semiótica, neuromarketing ou psicologia do consumidor vibrar.
Se a Coca-Cola desejasse de verdade não falar com as crianças, abandonaria todo e qualquer signo verbal e não verbal pertencente ao imaginário infantil. A Coca-Cola tem coragem para declarar que não vai falar com as crianças do mundo, mas cadê a ousadia para abrir mão do personagem que a empresa fagocitou no século passado?
[1] Trecho retirado da página da Coca-Cola http://cocacolabrasil.com.br/
(*) Mariana é publicitária e mestra em políticas públicas. É mãe de dois e escreve no blog Viciados em colo. Co-fundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo.
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