Monster High: uma falha, uma reflexão

Texto de Patrícia Grinfeld*

No final de junho do ano passado vivi uma experiência pessoal com minha filha e as bonecas Monster High (MH), que relatei aqui. Não imaginei que meu grande desabafo geraria tantos comentários, a maioria opondo-se a mim. Gostei deles, inclusive dos nada polidos, por terem me permitido pensar no que eu não tinha pensado e conhecer o que eu não conhecia.

Uma falha, uma reflexão!

Em se tratando da educação de filhos, falhas acontecem. Quando elas ocorrem podemos encontrar um novo jeito de nos colocar diante da situação. Isso nos faz crescer.

Nas primeiras vezes em que minha filha me pediu uma MH, falhei. Em minha avaliação, falhei porque não escutei o que de fato ela pedia. Escutei apenas aquilo que me parecia um querer desenfreado. Minha intervenção foi na direção de colocar seu desejo em espera, na linha de que não dá para ter tudo o que se quer, na hora que se quer. Eu ainda não tinha conectado que não querer ir à escola estava, em parte, relacionado ao fato dela não ter a boneca. Sem uma MH ela ficava de fora de algumas brincadeiras, o que é insuportável para uma criança aos cinco anos.

Quando fiz essa conexão, conversamos bastante sobre o quanto ela tinha qualidades e brinquedos que podiam ser tão interessantes para ela e seu grupo quanto as MH. No final das férias de julho ela ganhou da prima duas monstrinhas, brincou com elas uns três dias e logo as deixou de lado. As aulas recomeçaram. Embora as bonecas estivessem (e ainda estejam) disponíveis, elas nunca foram escolhidas para acompanhá-la nas brincadeiras da escola e raramente são nas que acontecem em casa. Falar sobre as diferenças, incluindo valores familiares, ajudou-a a perceber seu potencial e a mudar sua posição no grupo, ficando mais forte e com uma vitalidade comentada por muitos que estavam ao seu redor.

O desfecho dessa história reforçou o que eu já sabia na teoria, mas que nem sempre colocamos em prática: o pedido verbal de uma criança pode estar encobrindo outro pedido. Nesse caso, a ajuda para aprender a lidar com a situação de exclusão, com a qual todos nos deparamos o tempo todo na vida, mas que é vivida com grande intensidade aos cinco anos de idade.

E se ela não tivesse ganhado as bonecas da prima?

Provavelmente a história se desenrolaria de maneira muito parecida. Na medida em a criança entende que brincar é mais importante do que o brinquedo – portanto, que ser é mais importante do que ter – e que não é preciso ter o que todo mundo tem para pertencer a um grupo, ela se vê livre para fazer escolhas. Mesmo se minha filha não tivesse ganhado as bonecas da prima, ela poderia escolher entre um brinquedo/brincadeira ou outro, como ela faz. A partir do momento em que ela se descolou da ideia de que era preciso ter a boneca para estar inserida num grupinho, ela pôde brincar com as bonecas das amigas e propor outros brinquedos e brincadeiras sem que isso fosse uma vivência negativa. Ao contrário; não estando presa a uma única possibilidade, pôde, de fato, aceitar e experimentar as diferenças.

Entre o padrão e as diferenças

Parece-me óbvio, e redundante, dizer que só há possibilidades, alternativas e escolhas quando as diferenças existem. No entanto, alguns comentários feitos no texto acima citado mostram o quanto os árduos defensores das bonecas são os que menos aceitam um ponto de vista divergente do seu. As críticas ao social são tomadas como pessoais, tornando inviável qualquer debate sobre o pseudodiscurso do “seja você mesmo” e sobre o sistema em que é preciso ter cada vez mais para se sentir poderoso. Sendo impossível ser diferente do que é imposto, refletir sobre algo que está tão profundamente enraizado torna-se, para essas pessoas, coisa de quem “complica a vida”, “é intelectualizado”, “não tem mais o que fazer”. Então, fica minha pergunta: onde estão as diferenças que as Monster High pregam, ensinam, favorecem?

Os mesmos defensores apontam um caminho – as MH diferem do padrão “loirinha e bonitinha” das Barbies. Até aqui não tenho com o que discordar, assim como também não discordo de que a variedade de personagens permite que a criança possa se identificar mais com uma ou outra boneca da mesma coleção. Porém, não podemos esquecer que diferenças vão além da aparência física e que ambas as bonecas supervalorizam o corpo da mulher adulta com boa pitada de sensualidade, o que extrapola aquilo que as crianças devem experimentar na infância (o fabricante das bonecas recomenda as Barbies para crianças entre 3-10 anos e as MH para as que estão entre os 6-12 anos).

No segundo semestre de 2013 tive a oportunidade de visitar a belíssima exposição Mais de Mil Brinquedos para a Criança Brasileira. Nela, uma das coisas que mais me chamou a atenção é o quanto o corpo das bonecas adultas – da Susi, passando pelas Barbies desde os anos 80, até as Monster High – acompanha o padrão estético vigente na sua época. O afinamento das cinturas e pernas não nega que os brinquedos reproduzem o padrão cultural do momento. Por isso mesmo, não podemos ignorar que o modelo de beleza das MH transcende a magreza saudável. Este padrão precisa ser reavaliado, tanto nas bonecas, quanto em outros meios onde ele prevalece, para que possamos efetivamente oferecer às nossas crianças a possibilidade de terem corpos diferentes desses que lhes são apresentados (para não dizer impostos).

É só um brinquedo! Será?

[Continua aqui]

*Patrícia é 2x mãe, psicóloga e escreve no blog Ninguém cresce sozinho

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Tags:  brinquedo consumismo infantil Monster High

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Mariana Sá




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