Daniela Teixeira*
Relato constante dos pais durante o isolamento social é que os filhos não desgrudam das telas. Mais do que natural, afinal, com as crianças em casa em tempo integral e privadas de atividades externas, as telas terminam sendo uma tentação e um “porto seguro” para pais e filhos. Pesquisa que realizei no final de maio com 1.657 pais de crianças de até 12 anos dá sinais desta realidade: a maioria dos pais relatou aumento na exposição dos filhos às telas durante o isolamento da COVID-19. A televisão foi a líder, seguida pelo celular, tablet e videogame. Como resultado, 80% dos pais se dizem insatisfeitos com o tempo que os filhos passam em frente às telas. Ao mesmo tempo, 8 em cada 10 pais recorrem a elas como refúgio das crianças para conseguirem realizar suas atividades do trabalho ou de casa.
A situação revelada pela pesquisa expõe o dilema familiar envolvendo tecnologia e crianças, que certamente foi exacerbado pelas condições impostas pelo isolamento social. A inserção das telas na vida das crianças saltou aos olhos e é uma oportunidade para debater os limites do seu uso. O ponto de partida é a gente entender os riscos associados ao uso excessivo das telas. Além daqueles ligados à saúde, como transtornos emocionais, de sono e alimentar, sedentarismo, obesidade, entre outros, o uso de telas também envolve outras questões, como violação de privacidade, exposição da intimidade, roubo de dados, acesso a conteúdo impróprio, sexualização precoce, estímulo ao cyberbullying, exposição à publicidade infantil, pedofilia e exploração sexual, entre tantas outras. Não é pouca coisa.
Estar atento aos riscos envolvidos e ao funcionamento destes dispositivos é fundamental para que a gente consiga orientar nossos filhos. Restringir ou limitar o tempo de uso para as crianças menores, editar o conteúdo, expor os riscos, usar a própria tecnologia para proteger dos perigos digitais e, acima de tudo, conversar e educar sobre estes dispositivos são premissas de uma educação familiar voltada para as telas, cada vez mais necessária. É preciso uma mediação parental ativa para desenvolver nos filhos as habilidades críticas necessárias para que eles consigam usar dispositivos digitais da melhor forma, potencializando os benefícios e lidando com os riscos de maneira consciente. Se a gente investe tempo educando nossos filhos sobre os perigos do mundo real, não deve ser diferente com o mundo digital. Afinal, nossos filhos têm acesso ao melhor e ao pior da vida sentados ao nosso lado, na ilusória segurança do sofá de casa. Se você acha que eles estão seguros, pense duas vezes.
Não menos importante é nos conscientizarmos sobre o uso que fazemos das telas e o quanto isso tem influenciado o comportamento dos nossos filhos. Muitas vezes estamos tão imersos no mundo digital, que normalizamos o comportamento similar deles. Não pode. Mas também não dá para colocar todo o peso do problema sobre os nossos ombros. É preciso que as escolas comecem a discutir o assunto dentro de sala de aula, ajudando na formação de uma visão crítica e responsável nos alunos. Também é preciso políticas públicas que garantam a segurança das crianças na internet e que as empresas ajam com mais responsabilidade no ambiente digital. Essa não é uma questão pontual, mas um debate global e um desafio de toda a sociedade.
A pesquisa aponta que 9 em cada 10 pais acreditam que o tempo de tela dos filhos vai diminuir passado o isolamento. É provável que sim. Não podemos correr o risco de uma rotina passageira se transformar em um hábito corriqueiro. E nem ignorar que o uso excessivo durante o isolamento trouxe uma oportunidade para debatermos e educarmos nossas crianças sobre o uso saudável das telas.
Imagem © UNICEF/UNI321592/El-Dalil encontrada em https://blogs.unicef.org/evidence-for-action/ethical-collection-of-data-from-children-during-the-covid-19-pandemic/ 19.ago.2020
(*) Daniela Teixeira é mãe de João, 3 anos, e mestre em Consumo pela Bournemouth University, na Inglaterra.
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