Texto de Marion Nestle*
Tradução de Silvia Düssel Schiros**
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Embora a regulamentação imposta à indústria alimentícia seja fácil de burlar, os governos municipais têm motivos para crer na eficácia de tais medidas
Como expliquei recentemente durante o debate sobre a proposta de criação de um imposto sobre refrigerantes, a regulamentação permite que as pessoas tenham uma alimentação mais saudável sem que precisem nem mesmo pensar no assunto. A regulamentação faz com que a opção padrão seja a opção saudável. Em qualquer situação, tendemos a escolher a opção padrão.
Dizer que cigarros causam câncer dificilmente faz com que alguém pare de fumar. Mas as leis, sim. No caso dos cigarros, o aumento dos impostos, a proibição da publicidade, a definição de uma idade mínima para compra e a restrição do ato de fumar em aviões, locais de trabalho, bares e restaurantes fez com que ficasse mais fácil para os fumantes largarem o vício.
Economistas afirmam que o custo da obesidade e suas consequências para a sociedade é de US$ 190 bilhões por ano, considerando-se os gastos na área de saúde e os prejuízos resultantes da queda de produtividade. Assim, as autoridades da área de saúde se esforçam cada vez mais para encontrar estratégias igualmente eficazes para desencorajar o consumo de bebidas açucaradas e fast food.
As pesquisas corroboram as abordagens regulatórias. Sabemos o que faz com que comamos demais: o investimento de bilhões de dólares em mensagens publicitárias, o fato de os produtos alimentícios serem vendidos em qualquer lugar – postos de gasolina, máquinas de venda automática, bibliotecas, lojas de roupas, livrarias, papelarias, lojas de cosméticos e farmácias – e a oferta de porções gigantescas a preços irrisórios.
As pesquisas também indicam quais são as táticas bem-sucedidas para vender produtos alimentícios para crianças: personagens de desenho animado, celebridades, comerciais durante seus programas favoritos e brinquedos distribuídos com Lanches Felizes. Esse tipo de publicidade leva as crianças a quererem os produtos, a perturbarem seus pais para comprá-los e a fazerem birra quando os pais dizem não. A publicidade faz com que as crianças acreditem que precisam comer os produtos anunciados, enfraquecendo a autoridade dos pais.
As autoridades da área de saúde pública buscam formas de intervir no âmbito de seus mandatos legais e da sua autoridade. No entanto, por mais que queiram, não há muito que possam fazer no que diz respeito à publicidade infantil. As empresas das indústrias de alimentos e de bebidas alegam ter direito à liberdade de expressão para proteger o “direito” de anunciar produtos alimentícios sem valor nutricional para as crianças. Nos EUA,o lobby dessas indústrias é tão poderoso que conseguiram derrubar o projeto do órgão americano de defesa do consumidor – o Federal Trade Commission – que propunha a definição de regras de adoção voluntária e caráter não vinculante referentes à publicidade de produtos alimentícios para crianças.
Além das restrições à publicidade, as autoridades tentam encontrar outras opções. Aprovam leis que exigem a listagem dos ingredientes de fast food nos cardápios, proíbem o uso de gorduras trans, proíbem a venda de brinquedos em lanches vendidos para crianças e restringem as vendas de produtos alimentícios sem valor nutritivo nas escolas. Propõem a cobrança de impostos mais altos para refrigerantes e limites máximos de tamanho de recipientes para a venda de refrigerantes.
Atualmente, várias pesquisas comprovam o valor dessas práticas de regulamentação.
Estudos acerca dos efeitos da listagem dos ingredientes nos cardápios indicam que nem todos leem as informações, mas aqueles que o fazem tendem a reduzir a compra de produtos calóricos. Essa iniciativa definitivamente mudou meu comportamento. Será que eu quero mesmo comprar um bolinho de 600 calorias para o café da manhã? Hoje não, obrigada.
Em 2008, o uso de óleos hidrogenados com gorduras trans foi proibido em Nova Iorque. Como consequência, os moradores da cidade, inclusive os de baixa renda, passaram a ter acesso a alimentos com menos gorduras trans. Ainda não foi possível comprovar se essa medida foi responsável pela redução da incidência de doenças cardíacas em Nova Iorque, mas banir o uso de gorduras trans certamente não causou nenhum mal à população.
Pesquisadores canadenses afirmam que a chance das crianças escolherem refeições mais saudáveis triplica quando essas refeições vêm com brinquedos e as outras refeições, sem. Na hora de escolher o que vão comer, as crianças quase sempre escolhem a refeição que vem com o brinquedo.
Um estudo recente publicado na revista Pediatrics comparou os índices de obesidade infantil de estados que apresentavam restrições quanto ao tipo de alimento vendido nas escolas com aqueles de estados que não apresentavam tais restrições. Adivinhem o que o estudo concluiu? As crianças que moram em estados onde a venda de produtos alimentícios sem valor nutricional é proibida sofrem menos com problemas de sobrepeso.
A revista Circulation publicou um estudo da American Heart Association sobre “abordagens populacionais baseadas em evidências” relativas à adoção de uma dieta mais saudável. O estudo conclui que medidas como campanhas intensivas nos meios de comunicação, programas educativos realizados em lojas, concessão de subsídios para frutas, verduras e legumes, impostos, hortas escolares, programas de bem-estar no local de trabalho e restrições quanto à publicidade infantil têm grande valor.
Os benefícios das abordagens estudadas podem parecer pequenos, mas juntos indicam que há esperança de reverter as tendências atuais.
Pesquisadores também sugerem outras abordagens, ainda inéditas. O Yale Rudd Center, centro de estudos sobre políticas de alimentação e obesidade da Universidade de Yale, demonstrou recentemente que o uso de códigos de cores (as cores dos sinais de trânsito) estimula a escolha de alimentos mais saudáveis.
E pesquisadores da Rand Corp. propõem iniciativas semelhantes àquelas que deram certo no caso das bebidas alcoólicas: limitar a densidade de pontos de venda de fast food, proibir a venda desses produtos em locais que não sejam destinados à venda de alimentos, exigir que supermercados coloquem produtos alimentícios sem valor nutricional e refrigerantes em locais mais escondidos, proibir a venda através do sistema drive-through, limitar o tamanho das porções e rotular tais produtos com avisos.
Vale a pena tentar essas abordagens. Se as pesquisas continuarem demonstrando seu valor, as autoridades locais terão ainda mais motivos para implantá-las. Se os resultados forem bastante convincentes, talvez o governo federal seja obrigado a agir.
Enquanto isso, são as cidades que lideram a mudança, e Richmond é uma delas. São iniciativas que devem ser experimentadas, testadas e apoiadas.
*Marion Nestle é professora do Departamento de Nutrição, Estudos de Alimentos e Saúde Pública da Universidade de Nova Iorque. É autora de Food Politics, Safe Food, What to Eat e Pet Food Politics.
**Silvia Düssel Schiros é mãe de duas, tradutora, preocupada com o futuro das crias e do mundo. É co-fundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo e colabora também com o coletivo Faça a sua parte.
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