Texto especial para o Milc de Debora Regina Diniz, Mariana Sá e Vanessa Anacleto*
Queremos deixar claro que somos humanas. Quando a gravidez começa nos pegamos fazendo juras de que este será o filho perfeito, que não cometeremos erro algum. Mas somos mães: estamos sempre erradas. Errar materno é. Erramos porque estamos presas nesta roda da vida que muitas vezes nos deixa de cabeça para baixo para só depois, muito lentamente, voltar ao lugar. Assim, uma coisa não está atrelada a outra: quem não teve o parto que queria ou não conseguiu amamentar ou não tomou as melhores decisões alimentares durante a introdução alimentar, pode com certeza a qualquer momento fazer escolhas que levem a uma melhor alimentação, a uma educação não violenta e a uma proteção em relação aos meios de comunicação, ao marketing e a publicidade.
Diferente do parto e do aleitamento, os quatro itens seguintes podem ser abraçados quando o filho tem qualquer idade. Não é porque o bebê comeu porcarias alimentícias com seis meses que precisa comer junk food o resto da vida. Não é porque a mãe já deu uns gritos ou umas palmadas, que a criança precisa apanhar o resto da infância. Não é porque tem contato excessivo com telas desde o berço que irá ser mantido até o túmulo…
Diferente do parto e do aleitamento, toda criança a qualquer momento deve ter o direito de desfrutar de uma boa alimentação, de uma educação não violenta e de uma proteção em relação às mídias. Basta que a mãe/o pai decida que é melhor de outro jeito e comece uma mudança. Em algum momento nós despertamos e não existe momento certo, existe o nosso momento.
Contemplem os 7 Ps do ativismo materno
1 – Parto
Quando nasce uma criança por parto humanizado, nasce uma ativista em potencial. Se este parto tiver sido depois de uma cesárea desnecessária este potencial passa a ser de quase 100%. Quando uma mulher tem uma experiência bacana é quase certo que ela se sentirá compelida a dividir isso com o mundo. E aqui no Brasil este ativismo é essencial, sem ele é quase certo que as cesáreas alcançariam níveis ainda mais inimagináveis. Isso porque mesmo com este ativismo forte e aguerrido, o Brasil é campeão mundial em cesarianas, a cirurgia deixou de ser recurso utilizado para salvar vidas e passou a ser regra.
Uma pesquisa feita pela Fiocruz apontou que, no início do pré-natal, 70% das mulheres desejavam um parto normal, infelizmente a maioria não conseguiu devido ao que se chama “indústria da cesárea”. Muitas são levadas ao procedimento cirúrgico à revelia da sua vontade com base em indicações que são “mitos obstétricos” (não tem dilatação, não tem passagem, cordão enrolado etc). Além das cesarianas, muitas mulheres também sofrem Violência Obstétrica num momento em que estão mais vulneráveis e que deveria ser de grande emoção e alegria. Isso para não dizer na prática de separação da mãe do seu bebê, quando todas as evidências apontam para a importância do contato mãe-bebê nas primeiras horas, independente da via de nascimento. O início da maternidade já começa com uma batalha enorme por um parto respeitoso, em que as escolhas da mulher sejam respeitadas bem como a chegada do bebê ao mundo. Conseguir parir de maneira digna por aqui é praticamente outro parto.
2 – Peito
Assim que recebemos nosso bebê nos braços vem o momento que deveria ser natural, instintivo e simples: amamentar! É quando percebemos que não é tão simples assim: peitos cheios (ou vazios), problemas com a pega, dor… a maioria de nós passou por problemas iniciais com a amamentação. Tudo o que queremos é ajuda e apoio moral. Mas a realidade é que temos de lutar bravamente contra os oferecimentos incessantes de leite artificial e chupetas, sem contar com o mito do “leite fraco”. Sabemos que, com exceção de casos em que a mulher realmente não tem condições de produzir leite, todo o restante faz parte de um boicote velado à amamentação, muitas vezes patrocinado pela indústria do leite artificial.
O aleitamento materno possui inúmeros benefícios para o bebê: aumenta a imunidade, reduz alergias, evita cólicas, previne doenças fortalece o vínculo entre tantos outros. E como a indústria alimentícia e farmacêutica ficaria com tantos bebês saudáveis? Como diz jornalista Sonia Hirsch “a saúde é subversiva porque não dá lucro a ninguém”. Por isso, temos que ficar atentas aos boicotadores da amamentação e conhecer a NBCAL, que é um conjunto de leis que normatizam a comercialização dos alimentos e produtos de puericultura com o objetivo de garantir aos lactentes e crianças o direito à amamentação diretamente no seio materno. Para fazer uma amamentação exclusiva e prolongada, seguindo as recomendações da OMS é preciso brigar muito e novamente num momento em que precisamos de paz e acolhimento! A rede de apoio, muitas vezes voluntário, formada por mães que viraram ativistas é fundamental.
3 – Prato
A hora das comidinhas chega justamente quando achamos que vamos poder relaxar: logo depois que constatar que precisamos estudar muito para ter um parto bacana para nós e para as crianças e depois de passar meses pela tormenta que é amamentar escapando da fórmula láctea de lata que todo mundo acha prático, chique e bacana.
Se os desafios do parto e da amamentação aguçou os olhares da mãe contra “o sistema” é na hora da introdução alimentar que a revolta acontece: o documentário “Muito além do peso”, do Instituto Alana, traz a aterrorizante informação de que 56% das crianças brasileiras, menores de 1 ano, tomam refrigerantes frequentemente. Isso não acontece por maldade das mães e dos pais, mas por uma pressão social enorme para que os bebês, antes mesmo de ter dentes, experimentem “dos prazeres da vida”. Estes prazeres, segundo os seus promotores, não matam.
E a mãe que ofereceu o melhor leite, aquele feito com seus fluidos não vai simplesmente permitir que “venenos” entrem no sistema do bebê. Reconhecer os “venenos”, muitos dos quais ainda indicado por profissionais da saúde, é um dos maiores desafios durante um bom conjunto de anos da infância à velhice: todos os dias produtos prometendo saúde, felicidade e praticidade e são lançados ou viram moda. Saber quem é quem na fila do pão requer conhecimentos avançados em leitura de rótulos.
Quando mergulhamos nos rótulos para escolher de maneira de alimentar nossos filhos percebemos que a batalha está apenas no começo: é tanto desserviço que a indústria nos presta que é impossível quem pensa em parto e peito não relacionar também em papa. E depois de estudar tanto, de descobrir tantas armadilhas, de praticar, de ver que dá certo, é líquido e certo que vamos querer compartilhar este conhecimento, contar aos amigos, conhecidos e desconhecidos que a indústria, o marketing e a publicidade estão nos enganando bonito: militamos! Nasce a ativista da alimentação infantil (ou nasce quem estuda avidamente sobre o assunto e não resiste a compartilhar os conhecimentos com o mundo). Um bravo para as ativistas da alimentação infantil: o que seria de nós sem elas?
4 – Palmada
Depois que escapamos do rolo compressor da violência obstétrica, ou contatamos que precisaremos dar muito amor para compensar a violência do nascimento, não dá sequer para imaginar que vamos usar de castigos físicos, ameaças e chantagens como estratégias para educar os nossos filhos. Começamos procurar meios alternativos para nos comportar e lidar com os “maus comportamentos” das crianças. Não vamos simplesmente nos conformar a tratar nossos filhos como pequenos tiranos manipuladores que precisamos domar: nossos filhos não são feras!
Na primeira birra que nos tira do eixo, que nos faz perder a cabeça e que constatamos que as nossas abordagens não estão funcionando, que estão causando sofrimento em quem mais amamos (e em nós mesmos), pensamos que precisamos de tratar de encontrar novas formas para criar nossas crianças, muitas vezes formas bem diferente da que fomos criadas: aí nasce a vontade de conhecer pessoas que educam sem palmada, sem gritos, sem ameaças, sem adestramentos, sem chantagens, sem transformar o bom comportamento em moeda de troca.
E quando conhecemos as teorias que dão estrutura às práticas de educação não violenta e os prejuízos causados à criança, a nós mesmas e ao mundo pela violência, não tem jeito, mudamos… Muitas vezes, a família não entende as tentativas de diálogo, de amor, de carinho para dar estrutura e educar as crianças e começam a dizer que estamos mimando e estragando nossos filhos: é neste ponto que precisamos começar a defender nosso modo de educar e… Militamos!
5 – Parque
É quando começamos a entender de infância e percebemos que criança precisa ser criança, que criança precisa de tempo e de espaço para brincar: começamos a pensar na escolarização e na desescolarização. Vamos avidamente buscar informações sobre creche, escolinha, atividades ou educação em casa. E a escolha muitas vezes passa pelo modelo que permita que a criança brinque. É a mãe que ofereceu tudo bom graças ao ativismo que circula agora em grupos que refletem sobre a medicalização da infância, além de incentivar o brincar livre pelo menos na primeira infância. São pessoas que se unem para buscar rotas de escape das diversões oferecidas pelo mercado, a camarotização da vida, do brincar mediado por uma relação de consumo, do entretenimento terceirizado.
São pessoas que organizam eventos, que ocupam as praças, que tornam lugares antes sombrios e perigosos em lugares vivos, coloridos e cheios de gargalhadas. E a constatação da maravilha que é uma criança que pode experimentar as suas potencialidades criativas e a sua imaginação que nos faz naturalmente promover tempos x espaços para que as nossas e todas as outras possam desfrutar desta liberdade para brincar.
6 – Publicidade
E o que parece uma pauta menos importante diante de tantas outras pautas da proteção à infância se coloca diante de nós assim que as crianças começam a falar ou a expressar preferências diante de mensagens publicitárias ou de apelos no ponto de venda: o clássico “eu quero este!”. Nós que buscamos tanto, que fizemos tantas escolhas conscientes, nos vemos novamente sendo levadas pela maré do senso comum.
É quando percebemos que o cuidado com o que entra pelos olhos e pelos ouvidos tem tanta importância quanto o que entra pela boca, pelo tato e pelo olfato, percebemos que precisamos também escolher conteúdos nas mídias todas: televisão, tablet, jogos, ponto-de-venda, mídia externa, revistas, livros, espetáculos, etc. Tudo que trás uma marca passa a ser alvo de desconfiança e quando descobrimos que sozinhos não damos conta, procuramos nossa turma e militamos. Descobrimos que precisamos de uma turma para mudar algumas coisinhas no mundo porque proteger os filhos violações da mídia parece mais difícil que proteger da violência obstétrica e doméstica juntas!
Nos assusta a onipresença das marcas em todos os ambientes urbanos, inclusive naquelas em que as crianças deviam estar mais do que protegidas, como escolas ou no consultórios médicos. Duvidamos que produtos feitos especialmente para as crianças e que escondem venenos possam ser comercializados livremente. Duvidamos que aquele personagem tão legal, cuidadosamente criado para encantar as crianças possa estampar produtos tão bizarros.
7 – Política
Chegamos ao P de política. É impossível debater, lutar para que todos os outros Ps aconteçam se não tivermos atuação política e se não lutarmos por políticas públicas que se preocupem com saúde, alimentação e com atenção especial às crianças. Atuação política é condição indispensável à nossa sobrevivência.
Somos todas as ativistas: no mínimo ativistas dos nossos filhos!
Quem vai para passeata para apoiar a livre escolha da mulher, quem apoia mulheres que querem amamentar, quem compartilha receitas e desvenda os venenos nos alimentos, quem milita pelo fim da violência doméstica (física e emocional) contra a criança, é – de fato – um ativista em potencial contra a publicidade e o consumismo. Esta mulher sabe que mesmo tendo nascido de cesárea e não tendo morrido, mesmo tendo sido amamentada a fórmula e não tendo morrido, comido papinha pronta e não tendo morrido, apanhado e ouvido gritos dos adultos e não tendo morrido, assistido publicidade infantil e não tendo morrido, mesmo assim deseja um mundo melhor. Esta sobrevivente deseja ver os filhos felizes.
Proteger contra o consumismo e demandar mudanças na regulação da publicidade é um caminho natural para quem escolheu a melhor via de parto, o melhor leite, a melhor comida e a melhor abordagem educativa, seja lá qual tenha sido o momento do despertar. A publicidade é uma forma de violência, pois se impõe contra crianças, mães e pais, de maneira onipresente, sem chance de escape no meio urbano.
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Para mais consultas:
Parto: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/04/140411_cesareas_principal_mdb_rb
Primeiras horas de vida: http://www.bolsademulher.com/bebe/0-a-1-ano/materia/contato-entre-mae-e-o-bebe-durante-primeira-hora-de-vida-e-essencial
Peito: http://www.alimentos.uff.br/sites/default/files/NBCAL.pdf
http://milc.net.br/2014/09/maior-empresa-de-alimentos-do-planeta-mira-no-pediatra-acerta-na-mae-para-atingir-a-crianca/#.VT7OBZO-Nns
http://milc.net.br/2014/02/porque-amamentar-esta-na-moda/#.VT7OrZO-Nns
http://eraumaveztres.blogspot.com.br/2012/08/blogagem-coletiva-porque-eu-sou-uma.html
Papa: http://www.muitoalemdopeso.com.br/
Parque: http://www.aliancapelainfancia.org.br/
https://semanamundialdobrincar2015.wordpress.com/
Publicidade: milc.net.br
(*) Debora Regina Magalhães Diniz é mãe de três, cofundadora do Milc, cursou Letras e Semiótica. É professora, doula e educadora perinatal. Atualmente vive no Vale do Paraíba e é uma das coordenadoras da Roda Bebedubem. É ativista e implicante com a sociedade atual desde sempre.
Mariana Sá é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.
Vanessa Anacleto é mãe do Ernesto, blogueira e autora do livro Culpa de mãe. Por causa disso tudo, ajudou a fundar o Milc e luta por um futuro sem publicidade infantil. É autora do blog materno Mãe é Tudo Igual
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